terça-feira, 16 de agosto de 2011

Frantz Fanon: Pele negra máscaras brancas



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A maioria dos negros, inclusive na África, está obcecada em “fixar-se”. Esta obsessão, sugere a argumentação de Fanon, é resultado da impotência social. Não conseguindo exercer um impacto sobre o mundo social, eles se voltam para dentro de si mesmos. O principal problema desta atitude está na contradição em buscar a liberdade escondendo-se dela. A liberdade requer visibilidade, mas, para que isto aconteça, faz-se necessário um mundo de outros. Esquivar-se do mundo é uma ladeira escorregadia que, no final das contas, leva à perda de si. Até mesmo o auto-reconhecimento requer uma colocação sob o ponto de vista de um outro. Esta é uma verdade difícil de aceitar, e não é por acaso que Fanon enfrenta essa discussão após oferecer lágrimas no final do quinto capítulo. Ele está nos dizendo que nós devemos nos livrar de nossas barreiras, rumo a um corajoso engajamento com a realidade.

A liberdade requer um mundo de outros. Mas o que acontece quando os outros não nos oferecem reconhecimento? Um dos desafios instigantes de Fanon para o mundo moderno aparece aqui. Na maioria das discussões sobre racismo e colonialismo, há uma crítica da alteridade, da possibilidade de tornar-se o Outro. Fanon, entretanto, argumenta que o racismo força um grupo de pessoas a sair da relação dialética entre o Eu e o Outro, uma relação que é a base da vida ética. A conseqüência é que quase tudo é permitido contra tais pessoas, e, como a violenta história do racismo e da escravidão revela, tal licença é freqüentemente aceita com um zelo sádico. A luta contra o racismo anti-negro não é, portanto, contra ser o Outro. É uma luta paraentrar na dialética do Eu e do Outro.

Fanon mostra também que tal luta acontece não apenas no âmbito das interações sociais, mas também em relação à razão e ao conhecimento. Nas palavras de Fanon:


(A razão assegurava a vitória em todas as frentes. Eu era readmitido nas assembléias. Mas tive de perder as ilusões. A vitória brincava de gato e rato; ela zombava de mim. Como dizia o outro, quando estou lá, ela não está, quando ela está, não estou mais.) 
Parafraseando-o, poderíamos dizer que, ao entrarmos na sala a razão sai. A razão, em outras palavras, não está sendo razoável. Encontramos aqui a situação neurótica e a melancolia dos negros no mundo moderno. Reivindicar a razão, agarrá-la, seria exibir a não-razão, mesmo diante da razão sendo irracional. Aqui Fanon, como os negros, deve argumentar com a razão. Este desafio, isto é, ser de fato mais razoável do que se espera que os outros, especialmente os brancos, o sejam, situa o negro como sofrendo uma perda antes mesmo que ele comece a lutar pela existência. Isso sinaliza a melancolia da existência negra. Na verdade, espera-se que os negros não tenham sido negros a fim de legitimarem-se como negros, o que é uma tarefa impossível. Caso o negro deseje uma condição pré-moderna, ou pré-enegrecida, isto requereria uma contradição: um negro que não fosse negro. Os negros, em outras palavras, enfrentam o problema de sua relação com a razão e com o Eu enquanto indígenas do mundo moderno. Tal Eu sofre de melancolia, uma perda pela qual eles não podem ser o que ou quem são.

Como o leitor verá, tal dilema não é um convite ao pessimismo. Fanon nos lembra que parte da nossa luta envolve entender as dimensões críticas do ato de questionar, o que ele exemplifica encerrando o livro com uma oração. Dadas as muitas traduções e comentários sobre o seu trabalho, a grande quantidade de novos grupos de pensadores influenciados por suas reflexões, e as instituições, criadas em prol da dignidade humana, que trazem seu nome e seu legado, fica claro que suas indagações têm encontrado eco neste novo século.
Lewis R. Gordon

Tradução de Renato da Silveira
Prefácio de Lewis R. Gordon


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