quinta-feira, 22 de março de 2012

Administração Colonial , by Tomás de Almeida Garrett (1883-1929)



Administração Colonial

TOMÁS DE AQUINO DE ALMEIDA GARRETT (1883-1929)


I
Demostração da necessidade de em Portugal se assentar numa  politica colonial definida, firmada em bases cientificas


Pg 12
O primeiro periodo da historia colonial foi correspondente ao século XV e parte do XVl, das descobertas, das consquistas, do Infante D. Henrique, de Gana, Almeida, Albuquerque, Cabral, Castro e tantos outros d'uma pleíade  de ilustres. Foi o periodo aureo ao fim do qual dominavamos todas as costas do Congo e Guiné e na Oriental africana; tinhamos enorme influência na política da Abissínia cujo rei era nosso aliado; a costa da Arábia desde Raz-El-Had ao Eufrates, ou era nossa , ou nos pagava tributo; eramos senhores do litoral da India e da Pérsia,  dominando toda a costa do Malabar, desde o cabo Diu ao Camorim, na de Coromandel, no Golfo de Bengala e na península de Malaca; O Ceilão e as ilhas de Sonda eram tributários da coroa portuguesa; dominavamos nas Molucas e eram-nos abertos os portos da China e do Japão.

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O segundo periodo dessa história é o desmoronar do Império da India nas mãos de bandidos ou ineptos, à mercê de intrigas e de invejas, sem planos, sem ideias, tendo por único móbil o capricho ou o ciume; é o periodo da devassidão que dessora os costumes viris d'uma raça e a leva, com Alcácer Kibir, à perda da independência.
Toda a política se reduzia então na série de monopólios e barreiras em proveito da metrópole. A Lisboa vinham os produtos das industrias de toda a Europa a trocar pelas riquezas do Oriente e da Africa, as sedas da China, os tapetes da Pérsia, o sândalo de Timor, as especiarias e as pedras preciosas da India e o marfim da Guiné.
A riqueza era enorme, mas as despesas eram maiores ainda. E os juros dos empréstimos em Flandes cresciam com a devassidão dos costumes , ajudando à perda da Nação.
Sofriam os interesses particulares, diminuiam os rendimentos das alfândegas, as armadas destinadas à carreira da India absorviam ao Estado todos os anos enorme quantias; era a ruina material, acompanhando a dos homens, dia a dia mais corrompidos.

E a tanta baixeza chegamos que, querendo os próprios invasores lutar com a concorrencia de dos holandeses e ingleses na India, por meio de fortes companhias, portugueses houve que a isso se opuseram, por verem que assim terminariam os lucros à sombra do monopílio do  Estado ilicitamente arrecadados.
E entretanto ia o tesouro  perdendo todos os anos grande quantia,  que as especiarias da India já escassamente valiam um milhão de cruzados, insignificante para a enorme despeza de manutenção dos nossos estabelecimentos.

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O terceiro periodo começa no século XVII , quando Portugal consegue libertar-se da Espanha. Era a ocasião para um sólido ressurgimento. Soubemos aproveitá-lo? A meu ver, não.
O ouro e as pedrarias do Brasil inundaram Lisboa. Foi esse riqueza, numa sábia previsão empregada em desenvolver a agricultura e as indústrias fabris na metrópole, melhorando assim as condições económicas?
Que o digam os breves, bulas, etc. , vindos de Itãlia, e a Inglaterra fornecedora da farinha e artigos com que se vestia bem e alimentava optimamente uma multidão de fidalgotes e burgueses, muitos deles devassos e bêbados, e de que vestia mal. quase morrendo de fome, uma população escrava.
Imperava uma politica colonial mista de sujeição e de assimilação pela fusão de raças.
Os pretos e pretas do Brasil eram muito bem tratados. E abarrotavam Lisboa de mulatos...
Do resto da metrópole ninguém queroa saber.
E a Africa e a India? Viviam conforme podiam a braços com as companhias que brutalmente as exploravam; e a Africa mandava negros e negras que os senhores e burgueses ricos tomavam ao seu serviço, no receio apavorado  de falta de sucessão.
A Companhia Geral do Brasil, criada por D. João IV logo a seguir à Restauração, vinha depois de acidentada vida a morrer em 1720, às mãos dos inquisidores que não perdoavam que no estatuto da Companhia se tivesse declarado não poderem ser sequestrados ou confiscados os capitais que nela se empregassem, ainda mesmo quando pertencessem a cristãos novos penitenciados pelo Santo Ofício.

A Companhia de Cachéu e Rios da Guiné, criada 1676 pouco durou, o que também se deu com a do Maranhão. A de Cabo Verde e Rios da Guiné e a de Cacheu e de Cabo Verde que lhe sucedeu só serviram , pelos privilégios que lhes foram concedidos para nos desacreditar ainda mais. Entre a dos Baneanes e a da India, fundada em 1694, levantaram-se conflitos que só vieram a acabar com a extinção da da India em 1699. A dos Baneanes açambarcara o comércio da ilha de Moçambique , primeiro, e pouco depois o da colónia toda. Era este o estado de coisas nos meados do século XVIII.

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Aparece então Pombal, e com ele começa o quarto periodo da história colonial portuguesa, tentativa de ressurgimento cedo abafada.
Volta-se desta vez à politica das companhias coloniais, procurando estabelecê-las de forma a barantur-lhes um futuro mais próspero do que rinham tido as antigas, da qual só restavam as dos Baneanes de Diu, continuando o seu monopólio de  comércio entre Moçambique e a India.
Não foi feliz a primeira tentativa, a da Companhia da Asia Portuguesa, empresa  particular que criada em 1753 logo em  1760 quebrava com a falencia do concessionário. 
Satiszazendo um pedido que ao Rei haviam feito os portugueses do Pará, criou o Marquez de Pombal, em 1755 a Companhia do Grã Pará e Maranhão, a que deu largas regalias e privilégios, pugnando sempre pelos seus interesses. 
A Companhia fazia bons lucros, prestava reais servimos às capitanias do Grão Pará e Maranhão,  e ontribuia para o alargamento do comércio portuguez no Brasil, que pouco tempo depois, em 1778. já tinha entrado nos mercados de Mato Grosso, Cuyaba e outros. Tinha sido uma sábia medida. Era preciso destrui-la ...
A Companhia de Jesus que no Brasil fazia também farto negócio tinha na pombalina um terrivel combatente que precisava abater. Só o consegue em 78, depois da queda de Pombal.

Tomando como modelo a do Grão Pará e Maranhão, funda-se a Companhia de Pernambuco e Paraiba, que valioso auxílio havia de prestar à agricultura e comércio dos territórios sob a sua jurisdição. Mas estava condenada també.. E àqueles que liquidavam a do pará era dada igual tarefa para a de Pernambuco.  
Em 1765 criava-se a Companhia dos Mujaus e Macuas, para pôr cobro aos roubos que aos indígenas de Moçambique os negociantes indios faziam constantemente. Pouco durou, que dez anos mais tarde, em 1768, mandavam de lisboa dissolvê-la. A dos Bancanes, só em 77 o seria.

Ao mesmo tenpo que assim cuidava do dominio ultramarino, Pombal , aproveitando o dinheiro do Brasil criava na metrópole fabricas e industrias, de modo a não continuarmos na  carissima dependencia do estrangeiros com que até aí estiveramos. 
Não cabe aqui estudar o que foi esse parentesis na vida pobre desta nação. Era um futuro que se abria risonho; era, sim, mas desapareceu com o seu construtor. 

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Começa aqui o periodo doloroso que vai de 1777 a 1869. Noventa e dois anos!....
Quase um século de anarquia absoluta e completa, a todos desvairando, fazendo perder de todo a noção das responsabilidades a esta gente mal educada e corrupta.

De portas a dentro é a vergonha da derrota da Jerumenha, Olivença, Arronches e Flor de Rosa, acabando pela perda para sempre da praça de Olivença.  

Desde o Tratado de Metween que eramos serventuários da Inglaterra.  Quiz Pombal libertar-nos desse jugo. Era-se estúpido demais em Portugal para se compreender o alcance da medida. Tinhamo-nos agora ainda mais submetido à canga.Vem Napoleão. A Inglaterra ocupa a Madeira e ordena à Companhia das Indias a ocupação de Goa.

Depos, as invasões; e com elas perdemos rios de gente e dinheiro, esgotando-se por completo as forças da nacão. O Tratado de 1810 vem completar esta jornada.

O que era feito das colónias?

Da África ninguém queria saber que não fosse para forneceimento de mulatos. Só do Brasil, cujos portos D. João XVI abrira ao comércio de todas as nações,  se cuidava, a ver se  podia mandar dinheiro que acudisse à ruina completa de Portugal.

As guerras em que andaramos tinham-nos destruido qiase o comercio e a industria. E a corte quando fugida com medo dos soldados de Napoleão  guardara, só do Brasil, o melhor  de 15 milhões de cruzados cada ano. 

O Brasil agora rendia escassamente metade do que rendera antes das invasões francesas ; e a exportação para as colónias de manufacturas portuguesas diminuira de 97%. Era a ruina.

Nesta altura reune-se o Congresso de Viena (1815). Na orientação que pela Inglaterra nos era imposta. aderimos a ele e condenamos o tráfico de escravos (1). A ideia era generosa; adoptamo-la logo. Veremos pois quantos vexames nos trouxe este monopólio de filantropia.
Em 1825 é ratificado em Lisboa o Tratado da  independência do Brasil. Foi um erro grave, cujas consequências nunca mais conseguimos nem conseguiremos desfazer.
Dez anos depois é proibida nos dominios portugueses a importação e exportação  de esxcravos. Cumpriamos assim nobremente os compromissos que tomaramos.
Reconheceram-nos lá fora esta maneira de proceder?

Não . E a prova é que em 1832 os ingleses disputam-nos a posse da Guiné , e praticam actos de extrema violência contra nós, queimando as casas e quebrando o armamento dos poucos soldados que lé havia. e não se ficou por aqui.


A política desvairada da metrópole tem o seu reflexo no ultramar. e a defender este, ee procurar administrá-lo de uma forma inteligente, só aparecem , num periodo de quarenta anos, Subserra, Vieira de Castro, Palmela, Falcão, Lavradio, Sá da Bandeira, e pouco mais em verdade.
Lá nas colónias batiam-se heroicamente pela soberania portuguesa ; mas na metrópole não havia a consciencia do que valiam os domínios de além mar. 
Em 42 é assinado o tratado com a Inglaterra para a repressão do tráfico da escravatura.  E começa a vigorar no ultramar o novo código administrativo. 
Em 48 organizou Falcão a Secretaria do ultramar de forma a acabar com a uniformidade defeituosa que até aí imperada. Era uma medida boa -- pouco durou...
Em 45 declaramos Macau porto franco.

Entretanto em Africa, à custa de muito sacrificio, conseguiam os governadores  e a marinha cumprir o compromisso tomado em 42.
Em 53 desembarcaram tropas inglesas no Ambriz, sendo necessário que dali as faça sair o então tenente Baptista de Andrade.
Um decreto de 56 declarou livres os filhos da mulher escrava que nascessem nas provinciais ultramarinas portuguesas. A  carta de lei de 18 de Agosto do mesmo ano declarou livres todos os escravos embarcados em navios portugueses, que entrassem nos portos ou qualquer ancoradouro de Portugal, Ilhas Adjacentes, e Estado da India e Macau, os que no mesmos portos desembarcassem de navios estrangeiros, e os que entrassem no reino pela raia seca.   O decreto de 29 de Abril de 58 declarou a abolida a escravidão em todas as provincias ultramarinas , 20 anos pasasados a contar daquela data. 
Em 58 mesmo, tomam os ingleses conta de Bolama.  E as vergonhas sucedem-se, mercê da ausência completa , nos governos de Portugal, da menor noção sobre o que fosse um plano de administração colonial.
E, entretanto, já nesta época a Inglaterra comelçara a construir inteligentemente o seu domínio do Canadá, onde desde 1841 vigorava o sistema parlamentar. Já na Austrlia se inaugurara um caminho de ferro de Champion Bay a Northampton. Já a Nova Gales do Sul, a Nova Escócia e a Nova Brunswick tinham adoptado o governo parlamentar, e já o Cabo  , em 1854, tinha sido dotado com instituições representativas.

E o que era o ultramar português?
Vejamos:

Em Angola a situação não era em extremo desafogada . As minas do Bembe continuavam em laboração, empregando 150 a 200 homens; as feitorias de pesca, apanha de urzela e os estabelecimentos agrícolas entre Benguela e Mossamedes, continuavam uma vida relativamente próspera. No Cuio, ao sul de Benguela, ia-se começar a exploração de minas de cobre, e ao Quanza e Libongo, a descoberta de carvão e petróleo tinha vinso trazer uma risonha esperança; tentava-se criar, com os degredados, uma colónia em Capangombe, entre Mossamedes e a Huila, por detrás da serra da Chela, a ver se esta experiencia seria de mais felizes resultados que os que tinha tido a que anos atrás fora tentada na Huila com a companhia agrícola de caçadores 3; por toda a parte, em suma, se trabalhava com afinco pelo desenvolvimento da provincia. Mas por toda ela era funda a anarquia.
No interior de Mossamedes, no distrito de Ambriz, nos concelhos de Malange e Cassange, e até na vila de Mossamedes não era cobrado um real de imposto; em Encoge, apesar da antiguidade da ocupação , raro era pagarem o "dizimo" e fornecerem recrutas , como prova de sujeição e obediência; de Encoje para Duque de Bragança não se podia passar; entre Duque de Bragança e Malange o caminho , infestado pelos gingas e mabangas não oferecia a menor segurança; em toda a zina do Quanza a Caconda, 500 kilometros, andavam mercadejando portugueses, mas não havia ocupação oficial , o que também secedia nas 60 léguas de Caconda ao Humbe; de Malange a Cassange a nossa ocupação era limitada à costa, e no Humbe andávamos em constantes guerras. 
E no meio de tudo isto continuava a política de assimilação produzindo os seus funestos e ridiculos resultados.
Ao lado das autoridades administrativas, lá estavam as instituições municipais e judiciais. Mal compreendidas e entregues a gente absolutamente incapaz, só eram fonte de vexames e obataculo poderoso à acção enérgica e unidade dopensamento do governo indispensáveis sempre, mas mais ainda numa colónia em rebelião. Não oferecendo a menor vantagem. eram ainda, a maior parte das vezes ridiculas. O concelho de Massangano, um dos mais atrazados e de menor importancia, possuia-as desde a independencia dos holandeses! O resultados escusado será dizê-los!

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