domingo, 29 de abril de 2012

Gentil Viana, um dos fundadores do MPLA: o preço da divergência



                          Lisboa 1999. Gentil Viana, Mário Pinto de Andrade e Adolfo Maria (foto Net
 

Conheci o Dr. Gentil Viana — um dos fundadores do MPLA — na Cadeia de São Paulo. Estávamos em sectores diferentes da cadeia, mas, a partir de um contacto fortuito no posto de socorros, a 2 de Março de 1978, iniciámos uma relação de partilha e solidariedade que me apraz, ainda hoje, recordar.

Ele sabia já da minha presença nas prisões de Angola e conhecia os gestos e lugares de tortura por onde eu havia passado. Ele próprio era peregrino na mesma viagem de violências gratuitas. Naquele momento, a sua tristeza era maior porque o estado de saúde dos seus olhos tinha piorado, em consequência das agressões cubanas, e temia o abismo da cegueira. Contou-me, aliás, num dos encontros posteriores, que era um amante do desporto, mas que naquele estado nada feito... "quando a bola está a uns três metros, vejo-a com o olho direito, mas o esquerdo apenas vê uma sombra".

Este primeiro encontro ficou-se pela timidez que a presença vigilante dos carcereiros impunha. Ainda teve tempo de me contar que havia sido, em Portugal, Delegado do Ministério Público; a partir de Portugal iniciou uma travessia exílica até à independência de Angola. A conversa não podia ir muito mais longe. Deixei-lhe o Paris Match e o desejo de outro encontro.

O dia 4 de Março deu-nos uma nova oportunidade de encontro, oportunidade que se repetiu frequentemente durante o ano de 78. Apesar da situação dos seus olhos pediu-me algumas revistas para tentar ler. Ofereci-lhe o Lê Nouvel Observateur, o L 'Express e o Paris Match. Apercebi-me então de que este membro-fundador do MPLA havia perdido já a vista esquerda em consequência das agressões de que tinha sido vítima, sobretudo aquelas que tiveram lugar no comboio. Quando lia algum tempo com continuidade era atacado por espasmos que o obrigavam a largar a leitura de imediato.

No dia seguinte encontrámo-nos num lugar discreto, na hora do sol. Foi um diálogo cheio de interesse. Falou-me da sua estadia, durante dez anos, na China, e das traduções para português dos pensamentos de Mão que aí realizou. Pude saber que Gentil Viana tinha chegado a fazer uma "greve de fome" em protesto contra as agressões, acto que o conduziu moribundo ao Hospital Militar. Ficou na enfermaria-prisão, junto do combatente americano Marcello Grillo. Este mesmo me deu testemunho da situação humilhante e desmoralizante em que o deixaram na enfermaria — a soro e com as mãos atadas à cama. Só o desamarravam para comer e ir à casa de banho. O estado de debilidade era tal que os seus passos, quando se deslocava à casa de banho, não ultrapassavam uns dez centímetros. Ali permaneceu seis meses. Proibiram-lhe toda a leitura e privaram-no das visitas da esposa.


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