quarta-feira, 4 de abril de 2012

Maria do Céu Carmo Reis, a FUA, e o nacionalismo angolano


 


PREÂMBULO
ao livro de Sócrates Dáskalos:
Um testemunho para a História de Angola
Do Huambo ao Huambo
por Adelino Torres

"....Ao concluir a história da FUA no exílio não posso deixar de fazer referência ao congresso que lhe pôs termo e também quero deixar aqui bem claro o que pensei e penso dos meus companheiros fuistas do exílio com quem vivi acontecimentos que, se não deixaram saudades deixaram marcas inesquecíveis em cada um de nós. 

".... Existem documentos desse congresso e caricaturas feitas por mim alusivas ao mesmo, conforme me disseram a minha sobrinha Maria Alexandre e o Adelino Torres que os têm bem guardados. Quanto às minhas impressões sobre os meus companheiros fuistas do exílio, elas aqui ficam e vou começar pela Maria do Céu Carmo Reis. 

Esta, ao tempo, era muito jovem e além de atraente despertava a cobiça dos homens não só por ser um exemplo vivo e dinâmico de mulher emancipada como também por ser uma mestiça fortemente influenciada pelas Gabrielas e Quitérias de Jorge Amado. Tão fortemente influenciada que, quando se juntou ao Mário João, este passou a chamar-se o Berro da Quitéria. Juntos conceberam um rebento, hoje um respeitável latagão, a quem puseram o nome de Raul Fidel, o que demonstra as suas simpatias políticas pois foi uma homenagem ao Fidel de Castro e a seu irmão Raul.

A Céu era uma materialista no sentido político do termo e uma sentimental quase romântica e tinha um particular respeito e afecto pela minha pessoa. Quando a FUA começou a encontrar as primeiras grandes contrariedades por ser dirigida só por brancos e por quererem reduzi-la a um movimento só para brancos, contrariedades que se concretizaram com a retirada do apoio material já conseguido e prometido, a Maria do Céu pegou numa caneta e sacou um poema em que, com muita mestria e sentimento, revela a sua indignação.

Eis o poema da Céu:

Aqueles irmãos brancos
Que como tu irmão negro
Traziam no coração
Uma Angola mutilada e ensanguentada
Chorando ódios, dores e humilhações
Corpo em chaga sob a bota do inimigo
Mas sentindo nas veias latejar
Raivoso, um sangue escarnecido e desprezado
Mas sangue!
Aqueles irmãos brancos
Que sentiram doer na consciência
O chicote no dorso do contratado
Que como tu gemiam aiué
Que com tu gemiam aiué
Quando a palmatória gemia nos teus dedos
Que choraram com a mamã negra
O drama do filho parido futuro escravo
Não homem
Que cantaram contigo
A triste canção de asas infinitas
Numa gaiola fechada
Sonhando com a liberdade
Que um dia gritaram como tu : Basta!
Aqueles irmãos brancos
Irmão negro
Ecos do teu grito
Olhos brilhantes e punhos cerrados
Deixaram a terra
Por ti
Pés exangues subiram montanhas
E atravessaram fronteiras
Por ti
Sofreram cansaços e humilhações
Por ti
Choraram lágrimas e foram sangue
Por ti
Foram morte para ser vida
Por ti
Foram tudo, tudo, tudo!
Por ti
Compreendes agora irmão negro
Compreendes porque grito

E porque lhes chamo IRMÃOS ?
Neste poema é evidente o exagero em relação ao branco revolucionário do colonialismo mas deixa de ser exagero em relação ao branco de depois da independência que foi colocado por alguns dos responsáveis ex-colonisados ao mesmo nível do sofrimento e da dor da grande maioria dos oprimidos, sacrificados pela desmedida ambição e louca teimosia de alguns pela tomada do poder pela força.

Este poema nunca viu a luz do dia porque, quando acabou de ser concebido, não mereceu a concordância dos emepelistas entre os quais o médico Eduardo dos Santos e permaneceu nos meus esfarelados e amarelos arquivos durante estes últimos trinta e tal anos, pois foi parido em Paris aos 3 de Janeiro de 1963. A Céu era demasiado culta e altiva para poder suportar as por vezes mesquinhas querelas políticas e a confusão de sentimentos entre nacionalistas angolanos e, depois de ter aprofundado os seus conhecimentos em Paris está trabalhando em Moçambique donde sai de quando em vez para carregar as baterias do seu saber. Ao concluir a história da FUA no exílio não posso deixar de fazer referência ao congresso que lhe pôs termo e também quero deixar aqui bem claro o que pensei e penso dos meus companheiros fuistas do exílio com quem vivi acontecimentos que, se não deixaram saudades deixaram marcas inesquecíveis em cada um de nós.

"... Existem documentos desse congresso e caricaturas feitas por mim alusivas ao mesmo, conforme me disseram a minha sobrinha Maria Alexandre e o Adelino Torres que os têm bem guardados. Quanto às minhas impressões sobre os meus companheiros fuistas do exílio, elas aqui ficam e vou começar pela Maria do Céu Carmo Reis. Esta, ao tempo, era muito jovem e além de atraente despertava a cobiça dos homens não só por ser um exemplo vivo e dinâmico de mulher emancipada como também por ser uma mestiça fortemente influenciada pelas Gabrielas e Quitérias de Jorge Amado. Tão fortemente influenciada que, quando se juntou ao Mário João, este passou a chamar-se o Berro da Quitéria.
 
Juntos conceberam um rebento, hoje um respeitável latagão, a quem puseram o nome de Raul Fidel, o que demonstra as suas simpatias políticas pois foi uma homenagem ao Fidel de Castro e a seu irmão Raul.


"....A verdade é que nunca, até 1974, os dirigentes do MPLA (para não falar sequer do FNLA) manifestaram interesse na participação de brancos no movimento nacionalista13.
Uma ou outra excepção depois de 1968 é sem relevância para o problema. Os angolanos de origem portuguesa ouviram mais do que uma vez a frase sacramental: “Camarada: as massas ainda não estão preparadas para ver brancos nas nossas fileiras” (sic), falsa sentença14 que, para mais, irá contrastar cruelmente, a partir de 1974, com o febril, indiscriminado e oportunista recrutamento de afiliados brancos em que todos (MPLA, UNITA e FNLA), de regresso a Angola, se empenharam pressurosamente, quando verificaram que a realidade interna era assaz diferente dos clichés imaginados no exterior15.


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