quarta-feira, 11 de abril de 2012

Poesia angolana. Viriato da Cruz: MAMA NEGRA


VIRIATO DA CRUZ


MAMÁ NEGRA
(Canto de esperança)
        (À memória do poeta haitiano Jacques Roumain)
Tua presença, minha Mãe - drama vivo duma Raça,
Drama de carne e sangue
Que a Vida escreveu com a pena dos séculos!
 
Pela tua voz
Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais
    [dos seringais dos algodoais!...
Vozes das plantações de Virgínia
dos campos das Carolinas
Alabama
    Cuba
        Brasil...
Vozes dos engenhos dos bangüês das tongas dos eitos
    [das pampas das minas! 
Vozes de Harlem Hill District South
    vozes das sanzalas!
Vozes gemendo blues, subindo do Mississipi, ecoando
    [dos vagões!
Vozes chorando na voz de Corrothers:
    Lord God, what will have we done
- Vozes de toda América! Vozes de toda África!
Voz de todas as vozes, na voz altiva de Langston
Na bela voz de Guillén...
Pelo teu dorso
Rebrilhantes dorsos aso sóis mais fortes do mundo!
    Rebrilhantes dorsos, fecundando com sangue, com suor
        [amaciando as mais ricas terras do mundo!
Rebrilhantes dorsos (ai, a cor desses dorsos...)
Rebrilhantes dorsos torcidos no "tronco", pendentes da
    [forca, caídos por Lynch!
Rebrilhantes dorsos (Ah, como brilham esses dorsos!)
ressuscitados em Zumbi, em Toussaint alevantados!
Rebrilhantes dorsos...
     brilhem, brilhem, batedores de jazz
     rebentem, rebentem, grilhetas da Alma
     evade-te, ó Alma, nas asas da Música!
 ...do brilho do Sol, do Sol fecundo
 imortal
 e belo...

Pelo teu regaço, minha Mãe,
Outras gentes embaladas
à voz da ternura ninadas
do teu leite alimentadas
de bondade e poesia
de música ritmo e graça...
santos poetas e sábios...
Outras gentes... não teus filhos,
que estes nascendo alimárias
semoventes, coisas várias,
mais são filhos da desgraça:
a enxada é o seu brinquedo
trabalho escravo - folguedo...
Pelos teus olhos, minha Mãe
Vejo oceanos de dor
Claridades de sol-posto, paisagens
Roxas paisagens
Dramas de Cam e Jafé...
Mas vejo (Oh! se vejo!...)
mas vejo também que a luz roubada aos teus
    [olhos, ora esplende
demoniacamente tentadora - como a Certeza...
cintilantemente firme - como a Esperança...
em nós outros, teus filhos,
gerando, formando, anunciando -
o dia da humanidade
O DIA DA HUMANIDADE!...
 
Obra Poética:
Poemas, 1961, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império.

Sem comentários: