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domingo, 9 de outubro de 2011

O Ensino Primário em Angola no século XIX

A 10 de Outubro de 1864, uma portaria assinada pelo ministro da Marinha e Ultramar, José da Silva Mendes Leal, referia o seguinte: “Sendo as escolas primárias o alicerce e a base da instrução pública e um agente de civilização que, pelo seu influxo nos progressos humanos, deve merecer a mais esmerada solicitude e aturados desvelos a todas as autoridades, manda Sua Majestade El-Rei, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, que o governador-geral da província de Angola, tomando na maior consideração quanto respeita a este assunto, frequentemente, inspeccione e faça inspeccionar as escolas da província, para que nelas se cumpra o que determinam as leis, que de instruções convenientes, formule os regulamentos respectivos, faça as recomendações oportunas e adopte todos os meios eficazes para que nas ditas escolas se estabeleça um regime carinhoso e atractivo, que trate ao mesmo tempo de instituir pequenos prémios para os alunos que se distinguirem e, finalmente, que acerca de tudo isto informe assiduamente, bem como no que se refere ao mérito, capacidade e diligência dos professores”.
No dia 25 de Janeiro de 1865, o governador-geral acusava recepção da portaria, comprometia-se a envidar todos os esforços e a utilizar todos os meios que estivesse ao seu alcance, para executar as ordens que havia recebido. De certo modo, a partir de meados do século XIX, a política portuguesa começou a modificar-se. Isto porque partiu do princípio que, educando os autóctones na base de uma mentalidade europeia, melhor preservava as colónias. Por outro lado, verificou que a perseguição às missões, levantava outro tipo de problemas, que não deixavam de se reflectir no conjunto dos problemas nacionais. Nesta conformidade, em 1871 chegaram a Angola os primeiros cinco sacerdotes goeses, dos 23 sacerdotes indianos que, naquela altura, exerceram actividade missionária em Angola.
A 3 de Junho de 1876, o Dr. Alfredo Troni, ilustre advogado de Luanda, recebeu a incumbência de inspeccionar as escolas da cidade, por parte do governador-geral Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque. Devia informá-lo sobre o conhecimento e competência dos mestres, métodos de ensino adoptados, grau de aproveitamento dos alunos, estado físico das escolas, condições oferecidas pelos edifícios, utilização prática dos meios de que cada escola dispunha… Alfredo Troni, autor da novela “Nga Mutúri” faleceu na cidade de Luanda em 1904, tendo deixado o nome ligado ao desenvolvimento cultural angolano. Em 1913, os seus herdeiros fizeram a entrega de 3.273 volumes da biblioteca particular de seu pai para serem incorporados ao recheio da Biblioteca Municipal da cidade de Luanda.
Poder dizer-se que a escola secundária existia, teoricamente, em Angola, desde 14 de Agosto de 1845, através da Escola Principal de Luanda. Na prática, era uma escola de ensino primário complementar, com vocação profissional, pois estava dirigida à preparação de futuros professores. O seu programa previa o ensino da Gramática Portuguesa, Geometria, Desenho e Escrituração Comercial. Desde 1772, funcionava também neste estabelecimento de ensino, com bastante irregularidade, a aula de latim, também conhecida por aula de gramática latina, especificamente frequentada por aqueles que desejavam seguir a vida eclesiástica. Esta escola veio mais tarde a alargar o leque de disciplinas, passando também a ministrar, francês ou inglês, História Universal, geografia mundial, matemática, física e economia política. Mas foi nesta fase que mais decaiu, chegando, a dada altura, a fechar portas, apesar de haver professores em exercício.
Em 1867, foi nomeada uma comissão encarregada de elaborar o regulamento para a Escola Principal de Luanda, chegando mesmo a pensar-se em estabelecer um internato, que permitisse ministrar a instrução e fornecer alimentação e meios de ensino a todos os alunos em situação de carência. “Apontava o interesse que tinha para o país a difusão da língua portuguesa, prejudicada pelo uso corrente dos idiomas nativos, sobretudo a língua bunda, que exercia profunda influência social.” Por outro lado, havia muitas crianças com dificuldade na aquisição de material escolar, algumas delas órfãs.
Se considerarmos colono, o indivíduo que sai da Europa com a intenção de viver permanentemente na colónia – não sendo portanto, soldado, degredado ou membro do serviço colonial – podemos então entender que a colonização portuguesa em Angola não começou antes de meados do século XIX (1849-1851), altura em que cerca de 500 “brasileiros” chegaram ao porto de Moçâmedes (Namibe). No entanto, isso aconteceu por se ter dado, entre 1847-1848, uma insurreição armada na cidade brasileira de Pernambuco. Angola, segundo Gerald Bender, não era, naquela altura, suficientemente atractiva para os portugueses vindos da Europa ou do Brasil. Logo, para que este primeiro processo de colonização pudesse resultar com alguma eficácia, teve o governo de usar métodos de intervenção directa, fornecendo passagens grátis para Angola. Uma vez chegados, era-lhes dado terra, habitação, animais, sementes e subsídios. A este processo chamou-se “colonização dirigida”. De entre as causas impeditivas do desenvolvimento do ensino em Angola, ainda em meados do século XIX, está certamente a escravatura, a dominação espanhola, a carência de um plano, a falta de acção dos governantes e a expulsão dos religiosos. Também para o laxismo colectivo em Portugal, na primeira metade do século XIX, haviam antes concorrido as invasões francesas, a divulgação das ideias liberais, a independência do Brasil, as guerras civis e as sucessivas revoluções que se registaram. Mas, sobretudo, deve realçar-se que a grande maioria dos emigrantes que partiram de Portugal para Angola eram em regra gente de baixo nível moral, com muitos degredados à mistura – massa rude, inculta, analfabeta, boçal, ambiciosa e cruel. Um exemplo deste facto aparece numa citação do governador e comandante-geral de Angola de 1764 a 1772, Sousa Coutinho: “ [Devemos] proibir, de uma vez para sempre, as penas que sobrecarregam este reino com prostitutas e degredados da pior espécie, [porque] a experiência de mais de dois séculos mostra que tais embarques foram inúteis e muitas vezes perigosos; (…) os seus vícios ganham raízes, gostam da ociosidade, estragam a sua saúde e morrem depressa. E através deste excesso da adversidade as suas mortes tornam-se mais úteis que as suas vidas.”
Um outro exemplo aparece na descrição de Joachin Monteiro, sobre Luanda, entre 1860-1870:
“Os mais selectos espécimens de facínoras e assassinos de grande quilate são enviados para Luanda para serem tratados com a maior consideração pelas autoridades. Ao chegarem à costa, alguns são alistados como soldados, mas aos assassinos mais importantes geralmente dá-se-lhes dinheiro e cartas de recomendação, para lhes garantir a sua liberdade instantânea, e eles começam por abrir tabernas, etc, onde roubam e vigarizam, tornando-se em poucos anos ricos e independentes e mesmo personagens influentes”.
Segundo Orlando Ribeiro, “Angola foi o principal lugar de degredo: no final do século XIX os degredados representavam 12 por cento da população branca, vivendo em Luanda numa liberdade surpreendente; muitos eram proprietários de casas de comidas. Nunca foi por diante o projecto de criar na Huíla uma colónia penal agrária. Só em 1932 cessou a remessa de condenados, umas vezes trabalhadores úteis, outras vezes, ociosos e turbulentos. Um relatório do governador-geral Sebastião Lopes de Calheiros e Meneses, datado de 31 de Janeiro de 1862, apresenta-nos, de certa forma, uma proposta de estratégia de desenvolvimento para Angola, de acordo com o pensamento da época. Atendendo ao facto deste relatório se nos apresentar um pouco longo, achámos por bem, retermo-nos apenas na sua parte final: “ (…) se é conveniente aceitar e aproveitar a instituição e autoridade dos sobas, é preciso também educá-los e aos seus macotas; é indispensável aportuguesá-los e, como meio poderoso de o conseguir, devemos ensinar-lhes a ler, escrever e contar, em português. Saibam português, quanto possível o grande de um sobado, que os pequenos o irão aprendendo. Se Portugal não pode, quase com certeza, criar aqui uma nação da sua raça, como criou do outro lado do Atlântico, ao menos eduque um povo que fale a sua língua e tenha mais ou menos a sua Religião e os seus costumes, a fim de lançar mais este cimento da causa da civilização do mundo e de tirar depois mais partido das suas relações e esforços humanitários. Dêmos, pois, aos pretos boas autoridades na pessoa dos chefes, bons mestres e directores nas pessoas dos padres, não imponhamos aos sobas senão a obrigação de dar soldados para a força militar e de ensinar a ler, escrever e contar a seus filhos e aos seus parentes e macotas, e deixemos que o tempo, a Religião e a instrução façam o seu dever.”
Em 1863, chegou a haver em Angola, 24 escolas primárias públicas, mas em 1869, o número baixaria para 16. De entre as principais razões, que contribuíram para o fracasso do ensino primário em Angola, podemos apontar as seguintes: “O perfil de saída dos alunos que frequentavam as escolas primárias era efectivamente fraco; os estudantes que se encontravam motivados para dar continuidade aos seus estudos acabavam por esmorecer e desistir; os conhecimentos adquiridos estavam desajustados das necessidades do meio, daí a escola não se tornar atractiva; as autoridades minoravam os problemas existentes, chegando a nomear professores sem que houvesse alunos.”
Em 1864, foi editada pelo angolano Manuel Alves de Castro Francina e por Saturnino de Sousa Oliveira, que tinha desempenhado a missão de cônsul-geral de Brasil, em Angola, a obra intitulada “Elementos Gramaticais da Língua N’Bundu”, que se dizia, na altura, ser o único compêndio gramatical de que se dispunha, para fazer o estudo do idioma qimbundo, vulgarmente designado naquele tempo por “idioma angolense”. Saturnino de Sousa e Oliveira organizou também um vocabulário da língua qimbundo, que foi editado pela Imprensa Nacional.
A 16 de Novembro de 1868, uma portaria ministerial aprovava a decisão do governador-geral, quanto à educação dos dois filhos do barão de Cabinda, Manuel José Puna, serem educados por conta do Estado. Ainda de acordo com Martins dos Santos, “este mostrou-se ser sempre muito dedicado a Portugal; deve-se-lhe em boa parte a integração das terras do enclave e distrito de Cabinda no conjunto do património territorial português, quando se desenrolou a famosa questão do Zaire. Abre-se aqui um parêntesis para, de acordo com Orlando Ribeiro, referir que “a República Democrática do Congo, nasceu de um conceito teórico de Geografia Política: um Estado tende a ocupar uma bacia hidrográfica e a buscar saída para o mar. Com 2.331.000 quilómetros quadrados é o mais vasto país da África negra, embora a bacia do Congo se estenda por 3.700.000 quilómetros. Para buscar um corredor de acesso ao Atlântico separou-se Cabinda do resto de Angola e o ex-Zaire, afinal, foi belga na margem direita e apenas na esquerda permaneceu português. Manuel José Puna havia sido educado no Rio de Janeiro a expensas do Governo de Portugal, já depois da independência do Brasil, o que aconteceu com outros naturais de Angola. Deslocou-se a Lisboa, em visita aos filhos, talvez em 1871, tendo sido gentilmente hospedado pelo monarca. Recebeu o baptismo na capital portuguesa, apadrinhando o acto o rei D. Luís e a rainha D. Maria Pia.”
Uma outra portaria ministerial de 3 de Dezembro do mesmo ano, comunicava que os dois educandos já haviam chegado a Lisboa e sido “confiados a um dos melhores estabelecimentos do ensino particular da capital portuguesa, a Escola Académica. Mais tarde regressaram às suas terras e exerceram as funções de professores do ensino primário. Um deles, Vicente Puna, mostrou possuir qualidades aceitáveis, ao contrário do irmão, João Puna, cujo comportamento mereceu críticas e até castigos.” Este último acabou por ser exonerado compulsivamente por ter sido acusado “de não cumprir as suas obrigações, abandonando a escola e dando mau exemplo de decoro e dignidade, não apresentava qualquer resultado do seu trabalho, pois lhe faltavam elementos indispensáveis para exercer o cargo, tendo qualidades más que dizia não ser capaz de coibir”.
Ainda por volta de 1868, Moçâmedes (Namibe), segundo dados oficiais da época, tinha 1.211 habitantes, sendo 837 escravos, 99 libertos e 275 indivíduos livres. Destes últimos, havia 210 pessoas de cor branca, os restantes eram negros ou mestiços. Já Luanda, segundo dados referentes a 18 de Janeiro de 1856, só em escravos tinha 14.124 que, segundo Martins dos Santos, “o comentador da situação reconhecia que era altamente desproporcional à população livre da cidade.”

Filipe Zau |*
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

Retirado DAQUI

domingo, 27 de março de 2011

Grandes Homens – 3 Ainda Silva Porto e o seu temp




Não vale a pena repetir que Silva Porto foi um grande sertanejo, homem honesto, trabalhador, que, enquanto sempre português, conseguiu um bom entendimento e amizade com praticamente todos os sobas de Angola. No século XIX.
Muito choram alguns ignorantes, a “desgraça” que foi para o povo das “colônias” portuguesas os “500 anos de colonialismo”!
Até 1890 Portugal tinha alguns lugares fortificados, que talvez não ocupassem um por cento do território! Para circularem e comerciarem pelos outros noventa e nove, tinham os “pombeiros” que pagar tributo aos sobas, por vezes tributos pesados, quando não assaltados e roubados de toda a sua “fazenda”! O próprio Silva Porto sofreu um violento ataque à sua libata em Belmonte, tendo ficado gravemente ferido, mesmo sendo, com o mais velho sertanejo Guilherme José Gonçalves, “homens de reconhecida capacidade, e que os povos têm muita consideração.”
A região do Bié pode considerar-se o centro geográfico de Angola. Planalto, com altitude média de 1.200 metros, daquela região nascem quase todos os rios que banham o país, o que permitia estabelecer ligações fáceis (?) em todos os sentidos.
Já vimos que Livingstone chamava mulatos aos comerciantes portugueses, incluindo o “chefe do bando”! Tinha alguma razão nisso, porque naquele tempo, entre 1843 e 1846 foi possível fazer uma lista dos “moradores-comerciantes” que viviam no Bié. Cerca de cem. Cinquenta e quatro eram negros, quarenta mestiços e somente seis brancos. Todos sabiam ler e escrever e haviam adotado algumas “regras européias”, como por exemplo usarem calças! “Nestas paragens dão o nome de brancos a todas aquelas pessoas que vestem calças, sem exceção de cor e menos de condição, é bastante para isso possuir alguma fazenda.” Bastava esta “indumentária” para serem reconhecidos como comerciantes e brancos! (Alguém imaginaria isto possível em colônias inglesas?)
Coisa curiosa, porque, um século mais tarde, sobretudo em Luanda, passou a usar-se o termo “calcinhas”, aplicado ao indivíduo africano, vaidoso, normalmente ignorante, mas que queria parecer “evoluído”! Será que o termo virá do século XIX ou XVIII?
Boa parte destes comerciantes, brancos ou não, recebiam as primeiras letras ensinadas pelos “professores” ambaquistas! Homens inteligentes, da região de Ambaca, onde foi grande a ação missionária.
Escreve Francisco Castelbranco, na sua História de Angola (Luanda, 1932), que “o ambaquista é ladino e manhoso. Conta-se que “tendo os ambaquistas que dirigir uma representação ao governo contra certa autoridade provincial, ao assiná-la se levantou a dificuldade de quem o faria primeiro, porque nenhum queria figurar à cabeça; resolveram então inscrever as suas assinaturas em circunferência de círculo, que mostra bem a manha de que são dotados!”
Sensacional.
Esta capacidade do português conviver com outros povos mereceu do grande sociólogo Gilberto Freyre o conceito de luso-tropicalismo, de que se aproveitou Salazar para justificar a continuação do tempo colonial. E criou na maioria das cabeças africanas, que Gilberto Freyre teria, quase, incentivado o colonialismo! Ignorantes!
Mas há outro “retrato” dessa convivência. Está escrito num relatório enviado à coroa portuguesa em 1776, pelo então governador do Piaui, João Pereira Caldas, que “encontrou uma região tipicamente brasileira, misturada, miscigenada, sem distinções de raças e cores”. E mais: “Neste sertão, por costume antiqüíssimo, a mesma estimação têm brancos, mulatos e pretos, todos, uns e outros, se tratam com recíproca igualdade, sendo rara a pessoa que se separa deste ridículo sistema.” (Laurentino Gomes, em “1822”).
Voltemos ao Bié. Nos primeiros anos após a abolição da escravatura, que Portugal decretou para todo o império em 1836, o movimento comercial no Bié caiu muito, e entre 1840 e 1846, a situação dos comerciantes era de extrema penúria, “vivendo os descendentes de portugueses ao desamparo, vestidos à moda gentílica, sujeitos a serem vendidos, como têm sido a maior parte deles pelo gentio!” (segundo Joaquim Rodrigues Graça, sócio e talvez amante da famosa D. Ana Joaquina dos Santos Silva, uma das mais poderosas comerciantes e traficantes de Luanda, em “Expedição ao Muatayânvua”, 1848). Só lentamente se recuperou o comércio, com marfim, urzela (1), cera, e a goma copal (2), sendo os dois primeiros os de maiores valores. E um pouco de óleo de palma e couros.
A “fazenda”, que era a “moeda” usada nas trocas comerciais no interior, era quase composta de zuartes, fazenda de lei (esta constando de quatro variedades todas de fraca qualidade: chita ordinária; crumadel ou coromandel, chita indiana); tapulins ou mabala, nomes brasileiros para uma espécie de tecido de algodão; birola, fazenda de algodão importada de Inglaterra para o Brasil e daqui reexportada para Angola e manguina (também inglesa e reexportada), pintados, lenços, riscado, algodão cru, baeta (tecido caro mais utilizado para presentes ou tributos), missangas, coral verdadeiro e falso, campainhas e outras miudezas, armas lazarinas e reúnas (3) e pólvora.
No entanto os tecidos representavam mais de 37% do total.
Ainda voltaremos a Silva Porto e o seu tempo.

(1) – Urzela: uma espécie de líquen tintorial – Rocella tinctorica – que fornece uma bela cor azul-violácea.
(2) – Goma copal: é uma resina vegetal, de alta qualidade, usada para fabricar vernizes, sendo chamada em Angola também de Kausi.
(3) – Lazarina era uma arma de fuzil comprida e de pequeno calibre, primeiro de fabrico português, mais tarde belga e por fim em Inglaterra. Trazia gravada a legenda “Lazaro Lazarino Legitimo de Braga” enquanto fabricada em Portugal e na Bélgica. Por fim chamada de "reúna".

15/03/11

sábado, 19 de março de 2011

RELATO DA TRAVESSIA DE ÁFRICA FEITA PELOS POMBEIROS, de 1802 a 1811



O Negro
Desde meados do século XVIII que Portugal tentou descobrir a ligação terrestre entre Angola e Moçambique. O objectivo era conseguir encontrar produtos que pudessem interessar os mercados asiáticos - sobretudo o da Índia e da China - que eram, na altura e até finais do séc. XIX, deficitários para todas as potências europeias. A primeira tentativa séria de realizar a travessia foi feita  por Francisco José Lacerda de Almeida, em 1798, mas este oficial de marinha morreu ao chegar ao Cazembe - a Noroeste do Niassa.
A nova tentativa, proposta logo em 1799 por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, começará em 1802. A travessia terminou com êxito mas somente em 1811, nove longos anos depois, realizada pelos pombeiros Pedro João Baptista e Amaro José, escravos mercadores de Francisco Honorato da Costa, director da feira de Cassengue - posto fortificado a leste de Luanda onde se centralizava o comércio com o interior de Angola - mas não teve continuação devido aos problemas políticos que sacudiam o império português, mas permitiu conhecer melhor o território - «abrir o caminho» - entre Angola e Moçambique.
Este relato, traduzido para inglês no ano seguinte à sua publicação, serviu para Livingstone, o missionário escocês que explorou o território entre Angola e Moçambique, preparar as suas viagens.
Parte 1/3

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Construindo A História Angolana: As Fontes e a Sua Interpretação Escrito por Rosa Cruz e Silva

O NACIONALISMO ANGOLANO, UM PROJECTO EM CONSTRUÇÃO NO SEC. XIX? 
 
 
Através de três periódicos da época: O Pharol do Povo, Tomate e o Desastre.
"(...) Dentro de um espírito antropológico proponho, então, a seguinte definição para nação: ela é uma comunidade política imaginada - e imaginada como implicitamente limitada e soberana. Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão." (ANDERSON, Benedict, 1989 p.14).

I . INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas de Oitocentos, enquanto Portugal se batia de armas na mão para a consolidação da conquista de Angola, paralelamente, uma onda de contestação contra o poder instituído ganhava corpo, precisamente junto de alguns sectores da elite africana que mercê das novas medidas legislativas que impunham os imperativos do Terreiro do Paço em Lisboa, estavam por essa altura bastante penalizados. Em oposição ao esforço de colonização, crescia o gérmen da "consciência nacional" que brotava dos espíritos de um grupo de intelectuais africanos, os filhos do país, assim o provam os textos que compunham o seu discurso político, pontuado na imprensa dita livre da época. O início de tal manifestação como nos indica Jill Dias é muito antiga, foi enunciada na década de 1820, e foi-se fixando nos círculos dos protestatários tanto na capital, como nos concelhos do Hinterland de Luanda, ou ainda em Benguela e na então Mossamedes.

Conf. Jill Dias, 1998, p. 540. Num artigo extenso do Pharol do Povo n.º 36 de 27 de Outubro de 1883, intitulado "A republica a crear raízes em Angola" José Fontes Pereira dá notícia de uma acção política protagonizada pelos moradores de Benguela logo após os acontecimentos da Proclamação da Independência do Brasil. Dizia, " Benguella abraçou com grande entusiasmo aquella ideia, e quando se proclamou a independência do Brazil, o grande povo d'aquella cidade secundou aquelle estado de coisas, tendo hasteado a bandeira do café e tabaco na fortaleza de S. Filipe. Dirigiu este movimento o tenente coronel Francisco Pereira Diniz, homem preto, natural de Benguella que comandava as companhias de linha d'aquela capitania". Passados mais de 60 anos da data do acontecimento, Fontes Pereira dá notícia do exemplo do Brasil, um primeiro grito de independência ecoa em Benguela e entre os seus promotores está um oficial do exército, um " filho do país."

Entre os estudos que abordaram já esta problemática, para citar alguns, e que de alguma forma se ativeram às questões da emancipação política dos africanos no período em referência, quanto a nós, embora reconheçam o evoluir do processo que conduz a enunciação da proposta da independência do país, avançam conclusões em nosso entender um tanto ou quanto redutoras, por se revelar insuficiente a exploração das fontes disponíveis sobre esta problemática, ou dificultado o acesso às mesmas. Provam as nossas fontes que essa evolução culmina com propostas que advogam a ruptura de facto com o regime, o que se explica não só pela perda dos privilégios que no contexto geral da sociedade usufruíam os principais autores da proposta emancipadora, mas sobretudo, porque o próprio fenómeno colonial transporta consigo o gérmen da conflitualidade que opõe colonizadores e colonizados, e esta por todos os exemplos que nos dá a História não se resolveu sem a reacção mais ou menos violenta dos marginalizados do sistema. Enquanto os indígenas letrados que se encontravam nos espaços da colónia, e influenciados por todo o aparato ideológico inerente ao sistema político vigente, onde os paradigmas culturais ocidentais têm efectivamente peso na formação da sua identidade, assumem-se comprometidos com o regime, embora o critiquem nomeadamente pelos variadíssimos exemplos de má governação e sobretudo pelos procedimentos discriminatórios de que foram vítimas aos mais variados níveis, por outro lado, dentre eles destacam-se os intitulados, filhos do país, que se vão tornar nos principais opositores do mesmo regime, colocando-se na barricada contrária, a partir da qual engendram com os meios possíveis ao seu alcance uma campanha política que visava em última instância a conquista da independência Até alcançar a etapa em que se propõem resolver o conflito, já não através das propostas conciliadoras como a formação de uma união luso-africana para a instauração de um regime que se lhes afigurasse mais justo, porque se dão conta que já não é possível a coabitação em seu próprio território com aqueles que impõem leis e não as cumprem, que defendem teoricamente princípios e os violam sistematicamente, a coberto de uma hegemonia que lhes confere o poder instituído pela força das armas, há uma longa caminhada em que inicialmente se confundem os alvos, os adversários, não se identificam convenientemente os aliados. Porém a própria corrente da máquina administrativa e militar do sistema colonial, contribui para que o nível político dos intelectuais africanos, atinja um grau de maturidade tal, em que não se permitem mais titubear nas suas decisões sobre os destinos do país, e deixam escapar o afã libertador, até que se expõe o seu pensamento nítido, audaz e profético. Deste modo foram moldando o sentimento nacionalista que se propunha alcançar o espaço não só restrito à colónia, pois nas suas propostas, juntaram à sua voz reivindicativa e protestatária, os esforços empreendidos pelos povos ainda não subjugados e que se batiam a todo custo para a manutenção dos seus domínios. Anunciaram a vontade e querer, país livre de qualquer domínio. Porém os autores dessa aventura tiveram que percorrer os caminhos da clandestinidade para tentar iludir os postuladores da lei da metrópole e fazer passar a sua mensagem. Tentaremos evidenciar os jogos políticos exercitados pelos filhos do país conducente à libertação do jugo colonial. Tais ideias foram pensadas, forjadas e anunciadas sobretudo nas três últimas décadas do Século XIX, na dita imprensa livre, e a partir da década de 80, nas colunas da imprensa africana, pois nessa altura estão já capazes de expor claramente o sonho independentista,

Veja-se: Douglas L. Wheeler, Na Early Angolan Protest: The Radical Journalism of Joseé de Fontes Pereira (1823-1891), in Protest and Power in Clack Africa, Ed. Por Robert I. Rotberg et al, A Mazuri, Nova Iorque, Oxford University Press, 1970,pp.854-874; Jill Dias, Uma questão de identidade: Respostas intelectuais às transformações económicas no seio da elite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930, in Revista Internacional de Estudos Africanos, N.º1 Janeiro/Junho, 1984; O Império Africano 1825-1890, in Nova História da Expansão Portuguesa, Lisboa, 1998, Os Periódicos como Fonte de Pesquisa Histórica. A Imprensa Escrita de Angola do Sec. XIX, pp 17-31; ANDRADE, Mário, Origens do Nacionalismo Africano, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997;
visualizando inclusivamente um projecto que os conduziria a tal objectivo, tendo-se registado propostas que previam o desencadear de acções mais firmes contra o sistema, exemplificadas entre outras, numa encenação de um golpe de estado militar, em 1891, numa versão muito aparentada aos tempos actuais em se que anunciava a independência de Angola.

CONTINUA...

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Tentativas para o alojamento dos judeus em Angola.

AS TENTATIVAS DE UMA POSSÍVEL
COLONIZAÇÃO EM ANGOLA

TENTATIVAS
O FRACASSO DA COLONIZAÇÃO EM ANGOLA

TENTATIVAS DE COLONIZAÇÃO

Houve muitas tentativas para o alojamento dos judeus em Angola. A primeira tentativa foi de W. Terlo, um enólogo israelita que no dia 15 de Junho de 1912 conseguiu que fosse aprovado por unanimidade no Parlamento português um projecto-lei chamado "Projecto Bravo". Este projecto previa uma colonização de uma área de 45000 Km2 no planalto de Benguela. Depois de ter sido aprovado no Parlamento o "Projecto Bravo" tinha que ser integrado na Constituição.

Mas a Jewish Territorial Organisation (ITO), uma organização israelita que se dedicava principalmente à procura de um refúgio para o povo judeu em qualquer parte do mundo, recusou o "Projecto Bravo" que foi apresentado em Viena (27 a 30 de Junho de 1912).

A ITO considerava as concessões feitas pelo governo português insuficientes. Criticava as condições económicas que limitavam as concessões de terrenos a colonos individuais, que retiravam desta forma investimentos de empresas ou sociedades de colonização. Exigia também que houvesse uma área para formar uma "nova pátria judaica".

O projecto Bravo designado mais tarde por "200 B" apresentava no primeiro artigo que os colonos deviam-se tornar portugueses para usufruir dos terrenos. Para além disso exigia também o uso exclusivo nas escolas publicas de ensino elementar e como toda a correspondência respeitante aos serviços públicos.

A ITO organizou uma expedição sobre a orientação de um cientista inglês J. W. Gregory aos terrenos em Angola. Depois de percorrer 3000 milhas quadradas, concluiu que era muito difícil colonizar.

Em 20 de Janeiro de 1934 existiu uma nova tentativa para colonizar Angola. Passado um ano depois de Hitler chegar ao poder um embaixador português em Londres, Ruy Ennes Ulrich, refere no seu relatório habitual que houve uma visita de dois judeus alemães, Dr. Fritz Seidler (antigo secretário do ex-presidente alemão, Streseman) e Dr. Ernest Meyer (membro da Federação Internacional dos jornalistas), diziam que andavam à procura de território para se estabelecerem.

Dr. Fritz Seidler tentou persuadir o governo português a aceitar os judeus dando o exemplo do rei da Prússia. Seidler quando falava ou se referia aos seus protegidos nunca os chamava "judeu" mas sim "emigrantes" ou "alemães instruídos".

No dia 24 de Fevereiro de 1934, Ulrich aconselhou o Palácio das Necessidades a desiludirem os israelitas a se estabelecerem em Angola "pois o silêncio pode ser interpretado como um acolhimento favorável".

Numa nova carta, Seidler informou que uma comissão cientifica internacional, Sociedade De Acordo De Refugiados, sediada em Paris, começava a formação do banco para a colonização que já se encontravam à disposição da sociedade.

Um mês mais tarde, o jornal inglês "Daily Herald " publicou em 30 de Abril de 1934 um artigo com o seguinte título: "Nova casa para 5 000 000 judeus. Projecto de acordo para o oeste de África. Portugal oferece-se para dar terra". Nesta notícia dizia que havia negociações secretas entre a delegação israelita e o Governo português acerca da fundação de um Estado autónomo em angola.

Este seria colonizado por 5 milhões de judeus provenientes da Alemanha, Áustria e dos Estados da Europa oriental que ficaria sob presidência da Sociedade das Nações. O governo português e o Private Inquiries (inquéritos privados) do governo britânico teriam aprovado o plano e apenas teriam imposto algumas condições.

Muitas delegações diplomáticas e consulares portuguesas ficaram alarmadas e foram ao palácio das Necessidades pedindo esclarecimentos. Com esta notícia o ministro das colónias viu-se obrigado a desmenti-la ao representante da agência Reuter e também o jornal judeu "Jewish Chronicle". Assim, o jornal "Daily Herald" fez várias investigações de várias personalidades e concluiu que a única verdade era a seguinte: "... alguns meses atrás, alguns judeus alemães tentaram com insucesso negociar com o governo português o pedido de terra em Angola, considerando, entre outros continentes para uma possível imigração para o oeste de África para Angola":

Em Dezembro de 1938, Jacques Politis veio a Portugal para negociar um certo número de colonos judeus. Este projecto era unicamente para encontrar um refúgio seguro para centenas de milhares de pessoas em risco de vida. Portugal tinha benefícios, ou seja as empresas portuguesas adquiriam o monopólio tanto no comércio como dos transportes necessários para o empreendimento. Finalmente se Angola fosse atacada cada colono era obrigado a defender o território lutando lado a lado com as forças militares portuguesas.

Uma das condições colocadas por parte do governo português tanto no projecto "Bravo" como no projecto de Jacques Politis era o uso exclusivo da língua portuguesa tanto nas escolas como na correspondência oficial, mas o projecto de Jacques Politis ia muito mais longe, ou seja o uso de português fosse obrigatório dentro das próprias famílias judias.

No ano de 1938 houve uma conferência chamada a Conferência de Évian que se dedicou à questão dos judeus residentes em territórios. Dos 32 países que participaram nenhum estava interessado em aceitar refugiados judeus. Mas esta conferência nem de todo foi inútil pois nela se criou uma nova organização internacional, a Comissão Intergovernamental (IGC). Esta organização tinha como missão negociar com as autoridades do Reich para a saída organizada de centenas de milhares de judeus residentes em território alemão.

Nos fins de Outubro de 1938 Hitler mostrou-se disposto a negociar com a IGC e, em Dezembro o presidente do banco central alemão e ex-ministro das finanças, Hjalmar Schacht, deslocou-se pessoalmente a Londres e apresentou um projecto para a saída de judeus em etapas e apenas exigia uma compensação financeira.
a fraca colonização de portugueses em Angola

Em Janeiro de 1939 Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos, queria albergar centenas de milhares de judeus alemães em Angola. Roosevelt achava que o chefe do governo português seria incapaz de recusar esta proposta porque além de ter uma oportunidade única de ficar na História, também recebia montantes anuais provenientes directamente dos cofres do novo Estado israelita.

Os ingleses, em 1939, não ficaram muito contentes com estas propostas feitas ao governo português.

Em fins de Janeiro do mesmo ano, Myron Taylor, escreveu um ofício onde nele mostrava um certo desagrado em relação à proposta de Roosevelt provocou em Londres.

Os ingleses tinham medo porque eles tinham colónias tanto ao lado de Angola como ao lado de Moçambique e temiam que os refugiados judeus da Alemanha fossem para as suas colónias.

Uma oportunidade para a realização deste projecto surge em Junho de 1939, Dr. Augusto d' Esaguy (membro da comunidade israelita de Lisboa e presidente da comissão portuguesa para a assistência aos refugiados israelitas ) visitou Sir H. Emerson, alto comissário para os refugiados, em Londres. Dr. d'Esaguy informou que o novo governador de Angola, o seu amigo Dr. Mano estava interessado no acolhimento de refugiados.

Em Portugal ninguém ficou indiferente a estas tentativas de criar uma colónia de judeus em Angola e dominava cada vez mais a oposição a uma situação que poderia levar ao aparecimento de um estado independente em território português.

O projecto foi muito criticado porque uma colonização em massa por alemães devia ser recusada pela simples razão dos envolvidos serem alemães. Também afirmavam que "nenhuma emigração estrangeira em grupos seria vantajosa para a nossa obra de colonização" para as colónias de Angola e Moçambique.
a fraca emigração de portugueses para Angola

Lembrava-se que a atitude dos anteriores colonos alemães "não é para inspirar confiança às autoridades portuguesas" (alusão a tentativas no final do séc. XIX para a Alemanha anexar Angola) e que "a aceitação de novos colonos alemães, judeus ou não, não parece aconselhável, porque em última análise eles são sempre alemães e constituem um elemento perigoso a considerar".

Também se temia que houvesse mais desemprego, pois nesta altura reinava em todas as economias do mundo o desemprego e a deslocação de centenas de milhares ou até mesmo milhões de emigrantes representasse uma grave ameaça para a estabilidade económica e social dos países de acolhimento.

Também a imprensa portuguesa teve reacções, nomeadamente acerca do discurso de Hearst e do projecto de Cazalet. A edição do "Diário de Notícias" de 21 de Novembro de 1938 acusava o Hearst de não querer ajudar o povo israelita, mas sim de pretender resolver um assunto de política interna inglesa (que também não estava interessada em receber no seu território milhares de refugiados judeus). E justificava: "(...) não só para que a nossa soberania sobre esses territórios que descobrimos e colonizámos seja sempre fácil de exercer mas ainda o que o nosso feliz aumento da população nos aconselha a guardar para nós as riquezas que temos para explorar". Ainda neste artigo acusava Cazalet de não ser amigo dos portugueses, afirmando que o plano de alojar em Angola significaria "preparar-nos no futuro, pelo menos, uma dificuldade diplomática com o Fuhrer!" (Hitler).

Salazar ia adiando a questão referindo que queria ter mais informações acerca do estado actual da questão dos refugiados judeus e das conversas de carácter oficial, antes de tomar qualquer decisão.



O FRACASSO DA COLONIZAÇÃO EM ANGOLA

As principais razões que justificaram o fracasso do projecto de alojamento dos Judeus em Angola começaram no ano de 1938.

Na concretização deste projecto houve três dificuldades: em primeiro lugar era a questão do financiamento. Eram quantias muito altas que os alemães exigiam. Segundo, nenhum dos líderes concedia uma recompensa económica á Alemanha por deixar sair os Judeus e finalmente, poucos meses antes da Conferência de Evian nenhum governo manifestava interesse em dar territórios a milhares de Judeus.

Oliveira Salazar nunca tinha sido abordado oficialmente, ao longo do ano de 1939, acerca da implantação de um estado Israelita em Angola

A Foreign Office temia que as suas próprias colónias em África pudessem ser ameaçadas com a entrada de judeus alemães em Angola: " (...) nós devemos decidir desde já em opormo-nos a qualquer aproximação dos portugueses com o assunto e não podemos tolerar a presença de um grande número de judeus alemães em Angola durante o tempo de guerra, que pode ser uma fonte de perigo para as nossas colónias africanas."

O receio na criação de um novo foco de instabilidade política, através de um programa que usava a implantação de judeus alemães em Angola, resultou das recentes dificuldades inglesas no Próximo Oriente. Por terem autorizado a imigração de judeus para a Palestina, houve uma grande hostilidade por parte das nações árabes, colocando em perigo a sua ligação marítima com a Índia através do canal de Suez.

Num encontro de representantes dos governos americanos e ingleses sobre uma colonização judaica na Guiana Britânica, ficou bem expresso o receio de repetir o mesmo erro. Perante a proposta americana que previa uma imigração maciça, Winterton ficou furioso e afirmou que: " não é a intenção do governo britânico permitir o estabelecimento em massa em Guiana ou algo semelhante à situação na Palestina".

Quando se iniciou a Segunda Guerra Mundial, os obstáculos vieram dificultar a saída dos judeus do território alemão.

Embora esta fosse possível legalmente até ao dia 23 de Outubro de 1941, apenas 70 000 judeus conseguiram deixar o Reich no início da guerra devido à pouca solidariedade por parte de todos os governos mundiais.

Quando os representantes dos governos americanos e britânicos se encontraram em Abril de 1943, nas Bermudas, para debater o destino dos refugiados da guerra, já existiam informações detalhadas do genocídio praticado pelos nacionais- socialistas por parte da opinião pública.

Embora a vitória dos aliados fosse uma questão de tempo, eles receavam entrar em negociações directas com as autoridades nazis sobre uma saída organizada dos judeus que permaneciam nos territórios ocupados, pois se Hitler consentisse essa saída, os seus territórios iriam ser inundados de refugiados judeus.

Então estes governos desviaram a sua atenção para aqueles refugiados que iriam necessitar de um abrigo permanente após a guerra e foi aqui que os delegados americanos apresentaram o projecto de Roosevelt para a colonização de Angola por parte de israelitas, citando parte do relatório feito por Gregory, um cientista, onde eram relatados as boas condições de Angola para este propósito. Destacando as grandes vantagens que este projecto traria para o Governo Português, foi recomendado que se iniciassem de imediato os preparativos necessários para a sua realização.

Tanto o embaixador inglês em Lisboa, Campbell, como os cônsules britânicos em Lourenço Marques e Luanda confirmaram, em telegrama ultra-secreto, os factores que se opunham à imigração maciça dos judeus, dizendo que só poderiam ser apenas umas poucas centenas de refugiados.

Por outro lado, Campbell desaconselhava uma intervenção ao nível governamental porque: "Eu estou convicto que Salazar detecta uma insidiosa tentativa da nossa parte para conseguirmos influência nas colónias portuguesas de África. A única esperança de sucesso, muito ténue, viria de um apelo de uma organização pública internacional."

Tal como Campbell recomendara, o Foreign Office pediu ao presidente da Comissão Intergovernamental, Sir Herbert Emmerson, para dar os primeiros passos e em 18 de Agosto de 1943, a embaixada portuguesa em Londres recebeu a visita desta conhecida personalidade.

Com a sua visita, Emmerson quis demonstrar o grande interesse da comissão pela a ajuda portuguesa neste assunto, mas nem este importante gesto fez o governo de Salazar mudar de ideias pois Salazar fora alertado por relatórios que recebera do embaixador português em Washington, Bianchi, por altura da conferência das Bermudas e por um parecer de Fernando Nogueira em que dada altura se referiam notícias publicadas na imprensa inglesa sobre a colonização judaica em Angola, de modo que sabia que resultaria algo mais do que pequenos encargos financeiros na colaboração com a Comissão Intergovernamental. Repetiu então a estratégia que aplicara depois da Conferência de Évian e atrasou a resposta até à Primavera do ano seguinte.

Salazar recusa participar nos trabalhos da Comissão Intergovernamental, já que Portugal não fora convidado para assistir aquela Conferência e nem às nações organizadoras nem às que participaram "pareceu talvez precisa ou útil a intervenção portuguesa" e diz que não fazia sentido que o governo português fosse convidado "para executar medidas em cuja elaboração não tomámos parte e de que não tivemos conhecimento".

Com a perspicaz menção do embaraço causado por não ter sido convidado, o Chefe da diplomacia portuguesa conseguia habilidosamente desviar as tentativas das nações aliadas de tomar as colónias portuguesas, sem ofender a comunidade internacional.

Se o convite fosse aceite por Portugal, a diplomacia portuguesa encontraria dificuldades em vetar as iniciativas referentes ao aproveitamento das suas colónias, para alojar refugiados, sem perder o apoio das nações anglo-saxónias noutras questões prementes da política internacional.

Na tentativa de conseguir um território apto para alojar as centenas de milhares de foragidos provenientes de todo o mundo, Angola parecia quase o território ideal. Para os círculos judeus territorialistas, Angola tinha a enorme vantagem de ser governada por uma nação que não tinha ideologia anti-semita, garantindo aos judeus os mesmos direitos dos cristãos.

Para o governo americano contava sobretudo a localização dos territórios que estavam longe das suas fronteiras nacionais e era uma região do mundo onde os EUA não tinham nenhum interesse político. Mas também o factor demográfico parecia indicar Angola como o local ideal para a realização de um estado israelita. Numa área de 1 246 700 quilómetros quadrados viviam apenas 3 343 500 pessoas, das quais 3 300 000 negros e apenas 30 000 brancos e 13 500 mestiços.

Para muitos dos funcionários - chave do Ministério das Colónias, era a questão demográfica que impedia a instalação de uma colónia e o medo de perder esta.

Uma última razão que impedia o acolhimento de milhares de fugitivos estrangeiros foi o novo conceito colonial. O Acto Colonial de 1930 frisava, nas suas "garantias gerais", a missão imperial da nação portuguesa como difusora da civilização cristã.
António de Oliveira Salazar

Em 1912, nos planos da implantação da colónia judia, o Estado Novo recusava qualquer plano que visasse a redução ou até a perda da soberania portuguesa sobre a colónia de Angola. O presidente do Conselho, Oliveira Salazar, não deixou nenhuma dúvida: "Nós não admitimos discussão sobre a nossa soberania e a nossa soberania não pode ser discutida em Genebra, em Paris, Londres ou Roma.

As poucas experiências feitas com projectos de colonização revelaram todas um falhanço para todas as partes envolvidas.

domingo, 15 de março de 2009

A Colonização Portuguesa no Século XIX à Luz da Estratégia


Tenente‑Coronel PilAv João José Brandão Ferreira**
** Sócio Efectivo da Revista Militar.
“Não temos de fiarmos
das outras potências,
mas sim de nós próprios”
D. João V
Introdução
D. João V era muito jovem e há pouco tempo rei, quando aprendeu todo o significado que a citação encerra. Foi ensinamento colhido durante a Guerra da Sucessão de Espanha, uma daquelas contendas europeias a que Portugal, pela sua posição geopolítica, não conseguiu ficar neutral. Este ensinamento foi sempre válido nos quase 900 anos que levamos de vida própria e continua a sê-lo hoje em dia, sem embargo das elites portuguesas nem sempre o terem presente. E isso foi dramaticamente evidente no período de tempo que iremos tratar. Esta a primeira reflexão que vos deixo.
Vou dividir a minha intervenção pela introdução – o que tenho estado a fazer;
por umas considerações prévias;
pela caracterização da situação em Portugal em 1800 e seu desenvolvimento;
pela actividade político-estratégica, relativamente ao Ultramar, seguida de uma breve incursão no Direito Internacional e pelas conclusões.
Considerações prévias
“Não deixeis que ninguém toque no território nacional – conservar intactos na posse da nação os territórios de além-mar é o vosso principal dever. Não ceder, vender ou trocar ou por qualquer forma alienar a menor parcela de terri­tório, tem de ser sempre o vosso man­damento fundamental.
Se alguém passar ao vosso lado e vos segredar palavras de desânimo, procurando convencer-nos de que não podemos manter tão grande império, expulsai-o do convívio da Nação”
(nota final)
Norton de Matos
Recaem sobre dois aspectos: a terminologia empregue para designar os territórios da expansão; e a especificidade da colonização portuguesa.
Vejamos o primeiro. Uma reflexão sobre a semântica, impõe-se por causa das conotações políticas que os termos “colónias vs províncias” passaram a ter entre nós após o 25 de Abril de 1974.
De facto, do anterior, sempre se encararam naturalmente os termos que foram utilizados ao longo dos séculos para designar os territórios que foram sendo agregados à comunidade nacional, sem embargo de alguma adequação a modismos políticos de determinadas épocas. Os reis de Portugal acrescentavam os seus títulos em função do que a coroa portuguesa tomava posse;
Todas as Constituições portuguesas desde 1822, discriminavam a totali­dade dos territórios como fazendo parte do todo nacional atribuindo-lhes diferentes dignidades e regulamentavam o estatuto social da respectiva população e sua representatividade, face ao grau civilizacional em que se encontravam.
Nos documentos oficiais, na fala do dia a dia, vários foram os termos usados consoante as épocas.
Assim apareceram os termos “praças”, “feitorias” e fortalezas”. De um modo geral os documentos anteriores ao século XIX, referiam-se aos territórios, como “domínios ultramarinos”, ou “conquistas”.
A Índia e, mais tarde, o Brasil e Maranhão, constituíram-se em “Estados”. E o Brasil, em 1815, foi elevado à categoria de “reino”, como era o Algarve desde a sua incorporação em Portugal ao tempo do senhor rei D. Afonso III.
Às grandes circunscrições administrativas chamavam-se “Capitanias Gerais” e atribuía-se amiúde, às feitorias e bases navais o nome de “estabelecimentos”.
A designação de “colónia” encontra-se já no século XVII e XVIII e o termo “província” entrou na linguagem do século XIX por via legislativa. A Constituição de 1822 já fala em “Ultramar” e “Províncias Ultramarinas”.
Não havendo representação ultramarina nas Cortes (antes da 1ª Consti­tuição, nem uma formulação, digamos, jurídica do território), cedo houve preocupação em se estabelecer um órgão estatal para tratar especificamente dos territórios de além-mar. Foi assim que surgiu o Conselho Ultramarino, criado por D. João IV, em 1643, e que se manteve até ao fim do Estado Novo.
Em termos constitucionais a designação “províncias”, perdurou de 1822 a 1911, durante a Monarquia e de 1911 a 1920, na I República e de 1951 a 1974, na II República, num total de 121 anos; enquanto que o termo “colónia” foi empregue durante 6 anos na I República, de 1920 a 1926, e 21 anos no Estado Novo, de 1933 a 1951, num total de 24 anos.
Pode-se pois, concluir que todas estas designações nunca tiveram a ver com regimes ou formas de governo, mas apenas com o interesse nacional. O termo “província” foi usado também por vários autores desde o século XVI. E fosse quais fossem os termos usados, nunca ninguém os entendeu pejorativamente, mas antes tendo em mente o que seria melhor para o desenvolvimento harmonioso das diferentes parcelas de Portugal. De facto, as palavras têm a sua época. Província, tinha a ver com a tradicional tendência da diáspora portuguesa em se manter ligada à mãe Pátria e em considerar a Nação portuguesa como um todo; “colónia” foi a expressão da política autonomista que o regime republicano trouxe no seu programa; com o golpe de estado de 28 de Maio de 1926, deu-se início a um movimento de cariz nacionalista e o termo colónia é ultrapassado, ou englobado no termo “Império”. Após a II Guerra Mundial, deu-se início a uma fortíssima campanha anti‑colonialista, onde os termos “colónia” e “colonialismo” foram diabolizados, tornando-se conveniente abandonar uma terminologia que se prestava a equívocos. E foi essa a razão fundamental para que os termos fossem abandonados na revisão constitucional de 1951, retomando-se os tradicionais “ultramar” e “províncias ultramarinas”.
Afigura-se assim, já ser tempo de se olhar para estes aspectos, através de uma correcta apreciação histórica, desapaixonada e sem intenções malévolas de oportunismo politico-partidário; de ataque à memória de antago­nismos políticos e de personalidades que lhe foram suporte; ou da denegrição abusiva da memória colectiva, antipatriótica e lesiva do interesse nacional.
Esta, a segunda reflexão que vos deixo.
“A acção colonizadora tem um duplo fim, o qual deveria ser exercido no interesse dos povos colonizados e ao mesmo tempo no interesse da comunidade internacional e do seu progresso”
Lord Lugard
Militar e alto funcionário colonial inglês do inicio do século XX, na sua obra “Dual Mandate”.
Considerava a colonização portuguesa “Avant la lettre” e que pendia mais para a segurança político-militar da cristandade e do seu alargamento geográfico.
Para se entender melhor o que se vai dizer a seguir convém-nos tecer algumas considerações sobre as características da colonização portuguesa, que a individualizam muito positivamente no concerto das nações.
Adiantemos, para melhor nos situarmos, uma definição de colonização: “o conjunto de relações entre dois povos, um mais desenvolvido que o outro”. No seu sentido etimológico, “colonizar” vem do latim e significa cultivar, valorizar, fazer render, tornar melhor...
Podemos distinguir três tipos de colonização: na primeira, um grupo de colonizadores chega a um território escassamente povoado cujos indígenas se encontram num estádio de desenvolvimento muito atrasado. Os novos senhores apoderam-se da terra e consideram-na como sua. Os autóctones refugiam-se em locais de difícil acesso tentando a sobrevivência. Mas vão morrendo e desaparecendo aos poucos. Os sobreviventes são agrupados em reservas, chegando os seus descendentes, nos dias de hoje, a serem objecto de curiosidade turística. Durante algum tempo estes novos territórios dependem e estão ligados à mãe pátria. Mas a pouco e pouco, por métodos pacíficos ou pela via revolucionária, ganham a independência. Foi o caso, entre outros, dos EUA, da Austrália e da Nova Zelândia.
No segundo tipo de colonização, um determinado país, através da guerra, de negociações ou de acordos internacionais, consegue introduzir-se e dominar um outro país, cujos habitantes são já numerosos e detêm um grau civilizacional elevado, mas cuja sociedade contém numerosas assimetrias de vária índole. O povo colonizador instala-se, explora a terra e suas riquezas; constitui-se em comunidade à parte, cultivando o seu modo de vida, estendendo-o apenas a pequenas elites autóctones. A sua presença é fundamentalmente económica, visando também objectivos político-estratégicos. À medida que estas elites, na maioria formadas fora da sua terra, começam a ter consciência dos seus conhecimentos e a ter ambições de mando, tentam a autodeterminação, com a expulsão, em maior ou menor escala, do colonizador.
Nos dois casos citados a divisão política e social entre os povos coloni­zados e colonizadores é total, sendo assumida com maior ou menor clareza. De um modo geral, o povo colonizador vê-se como “superior” ao colonizado, não se mistura, nem está muito interessado em qualquer nivelamento, ou em puxar os mais atrasados para um estádio superior. Estas são causas remotas do racismo, cujos contornos se foram desenvolvendo até aos nossos dias. Os povos colonizadores que assim procederam, na sua maioria cristãos, esqueceram os princípios do cristianismo no que concerne ao mandamento de amor pregado por Jesus Cristo.
Ao nível religioso, estes povos “colonizadores”, ofereciam a sua religião, mas fazendo a sua evangelização algo moldada aos evangelizados. A religião assim entendida, assemelhava, mas não igualava; é como que um cristianismo de segunda. O factor nascimento estava sempre presente, a fim de evitar veleidades igualitárias. Ao nível do desenvolvimento, o povo colonizador não nega a sua necessidade aos colonizados e até o fomenta, mas fixa-lhe fronteiras próprias e específicas. É a teoria do desenvolvimento separado e como este se pretendia em paz, inventou-se a coexistência pacífica. Vejamos as exigências sociológicas. Aos povos mais atrasados bastava-lhes a família, evoluindo a seguir para o clã e a tribo dentro duma determinada etnia. Quando se ganha maturidade e organização social e política suficiente, chega-se ao Estado e, mais tarde, à Nação, constituindo uma Pátria. Toda esta evolução carece de acompanhamento e de dádiva.
Nos dois exemplos de colonização apontados, os países que os desenvolveram poderiam respeitar as famílias, os clãs, as tribos e até o estado, mas não iam além disso. Não se davam, não ofereciam, não integravam. Recusavam ou resistiam o mais possível a outorgar o seu estatuto de nacionalidade aos colonizados. Ora, a existência de nações é um desejo natural dos povos. E se o povo colonizador não lhe dá uma nação, serão as populações colonizadas a procurar uma, surgindo desse modo o nacionalismo. Tudo o que se passou no subcontinente indiano, à excepção do Estado Português da Índia, é disto um bom exemplo.
É sabido que não foram estes os caminhos seguidos por Portugal e pelos portugueses. A “maneira portuguesa de estar no mundo” constitui o terceiro exemplo considerado e pode ser descrito em poucas palavras.
Os portugueses tinham um modelo político e estratégico baseado em três pilares: o religioso, o comercial e o militar. O terceiro era suporte imprescindível dos outros dois, mas apenas se aplicava em autodefesa, salvo em relação ao Islão, por este se encontrar em guerra com a cristandade. Este modelo serviu, devidamente adaptado, a todos os povos com os quais os portugueses contactaram: selvagens, semicivilizados e civilizados. E tão diferentes como as quatro partes do mundo onde chegaram. A capacidade de adaptação dos portugueses a todas as situações é, pois, uma constante. Feitos os primeiros contactos, logo começava de imediato a acção evangelizadora. Os portu­gueses não usavam tanto o método das conversões em massa ou à força, mas mais o dom da palavra e a persuasão. Na maioria dos casos, os membros do clero e das ordens religiosas integravam-se nas diferentes comunidades indígenas, estudavam a sua língua, os usos e costumes e, a pouco e pouco, iam passando a doutrina cristã. Não há memória de portugueses entretidos a destruírem povos ou culturas. E nem no auge da Inquisição a acção do Santo Ofício se fez sentir muito fora da parte europeia de Portugal (com alguma excepção para a Inquisição de Goa), dado que se dirigia primeiramente contra o judaísmo. A conversão do rei do Congo, logo a seguir à chegada de Diogo Cão, pode ser considerada paradigma da nossa acção.
O cristianismo que levámos estava, por outro lado, eivado de lusitanidade e oferecia a salvação de todas as pessoas, sem distinção de cor, raça ou nascimento. Todos eram chamados a ser filhos de Deus, desde que fosse esse o seu desejo de ascensão e de resgate. O facto de os portugueses (ao contrário de todos os outros povos europeus, que por razões de segurança não o faziam) terem instalado desde muito cedo arsenais, fundições e estaleiros em pontos avançados nos seus domínios é prova da confiança que tinham nas populações dos locais onde se radicavam, da visão superior em termos estratégicos de que dispunham, da sua autoconfiança e motivação e, ainda, da sua vontade de ficar.
Os portugueses deram-se e misturaram o seu sangue com todas as gentes que contactaram. Se é certo que em muitos casos essas ligações tiveram causa natural ou de volúpia, também é certo que não eram, de um modo geral, renegadas pelos próprios nem o Estado as condenava ou a Igreja as verberava, tentando, outrossim, enquadrá-las no sacramento do casamento. E foi Afonso de Albuquerque, que se saiba, a incentivar os casamentos mistos, já lá vão quinhentos anos. Não se pode dizer que os portugueses tenham acordado para esta realidade tardiamente ou copiado modelos alheios...
Os portugueses não se limitaram, portanto, a “coexistir”. Conviveram, e essa é uma maneira superior de entender as relações entre os povos. O corolário lógico de tudo isto é a oferta e a assimilação da própria orgânica nacional. Ou seja, Portugal ofereceu-se a si próprio a todos os povos com quem contactou, dando-lhes os seus elementos constitutivos mais vitais: sangue, família, sociedade, nação. É este o “segredo” da acção portuguesa no mundo, que muitos teimam em não entender, e do qual os próprios portugueses se deixaram afastar.
Ficamos assim, perante duas correntes definidoras de “colonização”. Para o caso português, “colonização é o conjunto de relações entre dois povos de desigual cultura em que um vai à procura do outro a fim de lhe oferecer tudo quanto tem, integrando desse modo a sua vida familiar, social, económica, política e nacional”.
Para a corrente oposta, colonização “é o conjunto de relações entre dois povos de desigual cultura, baseado no interesse comum das duas comuni­dades, principalmente daquela que foi procurar a outra”.
Os princípios enformadores que os portugueses usaram podem resumir‑se no seguinte:
– Unidade política do todo nacional;
– Adopção do cristianismo templário, até D. João III, e do catolicismo após essa época, como orientadores das relações entre os povos e cimento dessa relação;
– Uso da língua portuguesa como factor unificador e cultural;
– Implementação de modelos de administração pública e judicial decal­cados dos da metrópole;
– Acção baseada no humanismo e universalismo que terão a génese na cultura greco-romana e que aparecem tão bem retratados n’Os Lusíadas de Luís de Camões;
– Por fim, uma mística, uma fé, um espírito de missão, que tantas vezes fez os portugueses ultrapassarem-se a si próprios e que possivelmente levou Zurara a referir a “inclinação das rodas celestes”, como uma das razões que levaram o Infante D. Henrique à empresa dos Descobri­mentos.
Todos estes princípios tiveram uma génese genuinamente portuguesa e começaram a ser aplicados e experimentados na colonização dos arquipé­lagos atlânticos, todos eles encontrados desabitados. Desde o início, moldou‑se um espaço que se pretendia uno e que explica que após o 1º de Dezembro de 1640, todas as praças portuguesas espalhadas pelo mundo aclamassem, de imediato, o rei D. João IV, com excepção de Ceuta, cujo governador era castelhano. Percebe-se a ajuda mútua que os portugueses de todas as latitudes se dispensavam entre si; foi do Brasil que partiu a reconquista da costa ocidental de África tomada pelos holandeses, de Goa partiu auxílio para todo o Oriente e até para a costa africana do Índico; em Moçambique preparou‑se a expedição para libertar Timor no fim da II Guerra Mundial; da metrópole sempre saiu auxílio em maior ou menor escala para todo o lado. É por isso que ainda hoje a vida nos antigos territórios quase pára quando jogam o Benfica ou o Sporting.
Mas teriam os portugueses estado isentos de erros ou pecados durante todos estes séculos? Efectivamente, não estiveram. Mas nunca o pecado perdeu o seu nome para assumir outro qualquer. E as consciências, por vezes obnubiladas, nunca o esqueceram. O mal nunca se arvorou em bem; o pecado nunca teve coragem para se transformar em sistema; a injustiça nunca se confundiu com a equidade e houve sempre quem tivesse coragem nas atitudes e chamasse nomes às coisas e hipocrisia à hipocrisia. E se alguns, no campo individual, assassinaram, maltrataram e roubaram outros seres humanos, nunca a pesada mão da justiça os deixou de perseguir, nem o Estado decretou leis iníquas ou princípios imorais. Há muita documentação escrita, de D. Manuel I ao Marquês de Pombal, do Infante D. Henrique a D. Sebastião, de D. João II ao Marquês de Sá da Bandeira, que prova isso mesmo. Até as presas tomadas aos “infiéis” obedeciam ao especificado nas bulas pontifícias e eram feitas em boa guerra como ensinavam as leis da cavalaria.
Por tudo o que foi dito podemos e devemos considerar que a colonização portuguesa foi inspirada muito mais por factores de ordem espiritual e humanista do que materialista. E sabe-se como os ganhos comerciais e a arquitectura económica e financeira deixaram sempre muito a desejar e ficaram muito aquém das necessidades. Mas, sendo espiritual, não deixava de estar subjacente a uma ideia política. O todo nacional entretanto constituído gerou, porém, um considerável potencial geoestratégico, essencial à sobrevivência política do estado e da nação portuguesa. Este potencial foi sendo, ao longo dos tempos, alvo de ataques continuados de potências poderosas e de organizações diversas que foram desgastando, pilhando e conquistando sucessivas parcelas de territórios pertença de Portugal. Os portugueses sempre resistiram, melhor ou pior, conforme a visão e determinação dos seus governantes e dos meios disponíveis, mas acabaram por soçobrar nos anos setenta deste século, ficando o país praticamente confinado ao que era antes da arrancada para Ceuta. Aquelas terras que eram, simplesmente, Portugal mais longe. E aqui fica a terceira reflexão.
Fonte: http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=103