sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Portugal suspendeu Alvor para juntar MPLA e UNITA

Por Armando Rafael 22 Agosto 2005

Em plenoVerãoQuentede 1975, Portugal suspendeu a aplicação dos Acordos de Alvor em Angola, assumindo, assim, a sua impotência para travar a escalada do conflito que opunha MPLA, FNLA e UNITA. E que levara já o movimento de Agostinho Neto a expulsar de Lu-anda as restantes formações.
Estava-se a 22 de Agosto. Em Lisboa, Vasco Gonçalves vivia os últimos dias como primeiro-ministro e Carlos Fabião (que chefiava o Estado-Maior do Exército) tentava, com o apoio de Costa Gomes, formar um executivo que lhe sucedesse, evitando o braço-de-ferro que já se anunciava entre a Esquerda Militar e o Grupo dos Nove, tendo Otelo Saraiva de Carvalho pelo meio.
Excessivamente absorvido pelas suas próprias contradições, Portugal ainda tentou, in extremis, impulsionar um acordo que juntasse MPLA e UNITA, alargando a base de apoio de Agostinho Neto e enfraquecendo a aliança que já se desenhava entre a FNLA, Zaire e África do Sul e que contava com o beneplácito dos EUA.
Inicialmente, tal acordo ainda chegou a parecer possível, como Melo Antunes [em O Sonhador Pragmático] e Pezarat Correia [em A Descolonização de Angola] admitiram, retomando o projecto que Rosa Coutinho tanto acalentara. Uma ilusão que duraria apenas alguns dias. O tempo suficiente para que os EUA percebessem o que estava a ser a negociado, pondo termo às veleidades de Jonas Savimbi, como John Stockwell, o operacional que Washington destacara para Angola, revelou em Search of Enemies - A CIA Story.
"Savimbi causou um pequeno embaraço aos EUA, quando (...) enviou elementos para sondarem o MPLA para uma solução negociada. A CIA soube disso (...), e Savimbi foi, de imediato, interrogado por um elemento da "estação" de Kinshasa. Não queríamos aliados que fossem "moles" na nossa guerra contra o MPLA."
Na tese de doutoramento que dedica aos anos do processo revolucionário [A Revolução Portuguesa e a sua influência na transição espanhola], o historiador catalão Josep Sánchez Cervelló avança com outra explicação.
Segundo Cervelló, MPLA e UNITA chegaram a firmar um acordo entre si, que seria depois posto em causa pelos apoiantes de Neto, que consideraram excessivas algumas das concessões feitas a Savimbi.
Seja como for, o facto é que, nessa altura, Savimbi já era um reincidente na matéria, tendo beneficiado da ajuda que as estruturas do MFA em Angola lhe tinham dado durante o "consulado" de Rosa Coutinho. Sempre com a ideia de o catapultar para uma dimensão que a UNITA não tinha no quadro da luta de libertação, esperando que eles viessem a alinhar pelo diapasão de Neto, que então se deparava com a forte oposição da Revolta Activa e, em especial, da Revolta de Leste, que reunia grande parte da força militar do MPLA. Recursos que Daniel Chipenda ameaçava colocar à disposição de Holden Roberto e da FNLA, deixando Neto totalmente dependente dos guerrilheiros da região dos Dembos, que Nito Alves já mandara avançar para os musseques de Luanda.
Savimbi já tinha, contudo, ensaiado outras aproximações. Uma delas, ocorrida ainda em 1974, só não teve maiores repercussões porque o líder da UNITA recuou no último momento, deixando de apoiar o projecto que o general António de Spínola e o líder zairense Mobutu tinham negociado na Ilha do Sal, visando barrar os caminhos do poder a Neto, contrapondo-lhe uma plataforma alternativa liderada por Holden Roberto e pela FNLA.
recusas. Quando Portugal suspendeu os Acordos de Alvor já o general Silva Cardoso - que sucedera a Rosa Coutinho em Janeiro de 1975 - tinha deixado Luanda, criando um certo vazio de poder que se prolongaria por várias semanas.
Este impasse só viria a ser desbloqueado no final de Agosto, quando o Presidente da República conseguiu, finalmente, convencer o almirante Leonel Cardoso - que integrava a equipa de Silva Cardoso e trabalhara já com Rosa Coutinho - a aceitar uma incumbência que seis pessoas já tinham recusado levar o território até à independência (11 de Novembro), custasse o que custasse.
Na origem da suspensão dos Acordos de Alvor, que fixavam os termos e o calendário pelo qual tanto Portugal, como o MPLA, a FNLA e a UNITA deviam reger-se durante o período de transição, estava o conflito armado entre os três movimentos, que se espalhara a todo o território, tornando evidente toda a desagregação do dispositivo militar português em Angola.
Numa altura em que Portugal assistia igualmente às sucessivas contradições no seio do MFA, onde gonçalvistas (Esquerda Militar), moderados (Grupo dos Nove) e revolucionários (Otelo) se combatiam entre si. Com o apoio e a cumplicidade mais ou menos activa dos diferentes partidos políticos e o crescente envolvimento de países como os EUA e a URSS, que em plena Guerra Fria não tinham deixado de acompanhar com particular interesse tudo o que dizia respeito ao processo de descolonização que Lisboa estava a efectuar. Designadamente o de Angola, que tinha dado origem a uma das primeiras fracturas do MFA, levando o general Spínola a renunciar ao cargo de Presidente da República no final de Setembro de 1974, ao não conseguir impor a sua tese federalista a quem tinha derrubado uma ditadura em nome da descolonização.
Violações. Sinais contraditórios que Portugal reflectia, quando as tropas sul-africanas já tinham entrado em Angola, e as forças regulares do Zaire, apoiadas pelos comandos do coronel Santos e Castro, assumiam o grosso das colunas da FNLA.
O MPLA, que vencera a batalha de Luanda no início de Agosto, expulsando os seus adversários, contava, por sua vez, com a ajuda que lhe fora proporcionada pelos instrutores cubanos que tinham chegado a Angola com a conivência de certos sectores do MFA. O que lhes permitiu garantir o controlo da capital até à data da independência.
Beneficiando sempre da "neutralidade activa" de Portugal, um eufemismo para quem já não dispunha ali das forças necessárias para fazer valer os seus pontos de vista e, muito menos, para impor os compromissos alcançados na Cimeira do Algarve.
Desenlace. Com uma parte substancial do jogo aberto em cima da mesa, as forças militares portuguesas que ainda se encontravam em Angola aguardavam apenas pelo seu regresso, enquanto garantiam a segurança da ponte aérea que transportaria os retornados.
Algumas dessas forças, como os pára-quedistas que estavam sob o comando de Heitor Almendra, e que escapavam às influências do processo revolucionário, acabariam por ser decisivas para o desfecho do 25 de Novembro.
Mas, nessa altura, já Angola se tornara num Estado independente e já Vasco Gonçalves tinha saído de cena com a queda do V Governo Provisório.
Um Executivo que só viria a durar escassas cinco semanas, levando Josep Sánchez Cervelló a contemplar a hipótese de esse Governo só ter sido empossado - quando a sua fragilidade já era por demais evidente - para garantir que Angola seria "entregue" ao MPLA e a Agostinho Neto, e não à FNLA e a Holden Roberto, nem à UNITA e a Jonas Savimbi.
in DN

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