segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Parte de um texto do Livro "Quarenta e cinco dias em Angola : apontamentos de viagem":

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Transcreve-se parte de um texto do Livro "Quarenta e cinco dias em Angola : apontamentos de viagem":

Assunto: Abolição do trafico de escravos e novo paradigma colonial de reconversão económica. Libertos, trabalho, resistências, mentalidades, usos, costumes, sobas, guerras tribais...

"...É nas margens do Zaire que actualmente mais se trafica em escravatura, e muitas das feitorias, para não dizer todas, de que acima fallei, não são mais do que capas que acobertam, ou dependem d'esse género de commercio, que as convenções propostas pela humana Inglaterra, e acceites pelo ingénuo Portugal tiveram a habilidade de tornar o mais lucrativo de toda a costa. Apesar do apparato das estações navaes, e dos nomeados cruzeiros, a escravatura continua, e ha de sempre existir, já porque os lucros são enormes e convidam, já  porque o vapor empregado no transporte dos negros apresenta um carregamento com menos despeza na Havana, fugindo rapidamente a qualquer navio que por acaso appareça na occasião da sahida. 
O negreiro, além de ser sempre atrevido e esperto, é summamente generoso; sabe dar grandes jantares e lautas ceias áquelles que lhe convém obsequiar, perde mesmo ao jogo alguns contos de reis, quando aquelle de quem depende está em veia de ganhar, e se fôr preciso emprestar, ou mandar entregar qualquer quantia em Lisboa á ordem das authoridades civis e militares da terra onde se achar, ou mesmo de algum officialde marinha, ninguém o faz com mais pontualidade.
Se as authoridades são, d'antes quebrar que torcer, o que é excessivamente raro d'encontrar em Angola, soffrem muitos desgostos, armam-se-Ihes immensas intrigas, correm mil perigos, e sempre são illudidas. Raro é aquelle que não cansa muito breve de luctar com tanto inimigo, e até com a própria consciência. A repressão da escravatura tem feito subir de uma maneira incrivel o preço dos escravos: ainda não ha muitos annos que um negro na America o mais que custava eram quinhentos mil reis, e hoje na Havana compram-se quantos apparecem pelo dobro. Facilmente se comprehende que é um negocio que deve tentar muita gente. O preço médio de um preto, ou preta em qualquer parte da costa, é de quarenta a cincoenta mil reis ; mas o negreiro por esse custo já dá um grande lucro ao agente, que o obteve a troco de alguma pólvora, de aguardente, ou de missanga. 
A fiscalisação por parte da estação naval, a maior parte do tempo é feita por um palhabote, commandado por um segundo tenente, ou por um guarda-marinha, e tripulado por um patrão e dez a doze marinheiros ; percorrem as feitorias, visitam as barcas e navios que saem dos portos suspeitos, e quando descobrem alguns pretos retidos para embarcar, ou que tentam levar para fora escondidos entre lenha e outros géneros, fazem a apprehensão, e conduzem-os para Loanda, onde são recolhidos no antigo convento ou collegio dos jesuítas, vulgarmente conhecido pelo pomposo titulo de — Obras Publicas — . A estes pretos, e aos que são appreendidos no alto mar, é que dão o nome de — libertos; custa o sustento d'esta gente cerca de treze mil reis por dia ao cofre da Província, sem d'ahi colher proveito algum. Muitos d'estes libertos são distribuidos pelos proprietários que os requisitam, debaixo de determinadas condições, entre as quaes me parece estar estabelecido o tractamento que os pre- tos hão de receber, e o numero de annos que tem de servir; porém esta ultima clausula, posso afiançar, que nao é cumprida, como provavelmente a outra não o será. 
Deveria haver da parte do Governador geral o maior cuidado em não conceder libertos senão aos proprietários, ou colonos que se dedicassem exclusivamente á agricultura, e que não tivessem meios sufficientes para comprar os escravos precisos. Seria mesmo muito conveniente e acertado, que se concedesse grande numero d'estes pretos aos agricultores das ilhas de S. Thomé, e do Principe, onde, por falta de braços, se  estão perdendo bellas colheitas de café. Sei de boa fonte, que os cultivadores  d'estas ilhas não só os tractariam com muita humanidade, mas que lhes dariam uma soldada em harmonia com o trabalho de que fossem capazes. Infelizmente, longe de proteger a cultura n'aquellas ilhas, os nossos ministros que, por desgraça, tem sempre sido homens que não formam a mais pequena ideia do que são as nossas possessões, tem legislado de um modo que lhes tem sido bem funesto. Não  quero de forma alguma contestar as boas intenções do Visconde de Sá, mas é innegavel, que mal aconselhado, ou infelizmente inspirado, elle se tem tornado prejudicial á Província d'Angola. 
Não é de certo n'um paiz onde ha falta de braços e onde o preto é por natureza o único ente próprio para o trabalho, porque elle só resiste ás fadigas e á influencia de clima que nos é tão prejudicial, que se lhe deveria ter concedido a liberdade de que não é digno. O abuso que elles fazem d'essa liberdade veio crear não poucos embaraços e difficuldades ao commercio d'aquella Provincia. O preto geralmente é traiçoeiro, mentiroso, ladrão e bêbado : ha-os bem morigerados e afeiçoados aos seus senhores, mas esses são tão raros como os bons sonetos. Todos são indolentes por habito e systema, mas as suas necessidades são mui limitadas e fáceis de satisfazer. Três metros de fazenda d'algodão estampada, um punhado de farinha de pau e uma pinga d'aguardente de canna [cachaça) são os únicos objectos de que ne- cessita para se vestir e sustentar; uma cubata ou barraca composta de ramos de coqueiro e barro, que elle levanta com summa promptidão, serve-lhe d'abrigo e a suas companheiras: uma simples esteira estendida no chão é para elle um excellente leito em que o braço faz as vezes de travesseiro. Para occorrer a tão diminuta despeza não necessita cansar-se muito, e não é raro encontrarem-se pretos a quem as pretas sustentam, sem que elles tenham mais alguma cousa a fazer, do que ir levando docemente uma vida patriarchal. 
Cabe aqui fazer distincçao de uma certa raça de pretos que, com quanto não pertençam aos nossos estados, se acham em grande numero em Loanda, onde vão procurar trabalho. Chamam-lhe Cabindas, por pertencerem a essa povoação que fica ao norte do Zaire. Esta gente occu-pa-se quasi exclusivamente em serviços marítimos: são elles que fornecem para Loanda, juntamente com os Muxi-Congos, a agua do Bengo, e que fazem todo o serviço da pequena cabotagem, e do porto. O escaler da alfandega é tripulado por doze Cabindas, que se tornam insupportaveis com a sua aborrecida cantilena com que acompanham constantemente o movimento dos remos. Esta raça de pretos é sem duvida a mais activa e a mais útil que se encontra em Angola, onde prestam excellentes serviços ao commercio. Teem um cônsul em Loanda, e são governados na sua terra por um preto educado no Brazil, fallando  varias linguas, e que se apresenta mui decentemente. Recebe n'uma soffrivel casa de habitação bem mobilada, e obsequeia todos quantos o procuram, mas para não desmerecer das sympathias dos seus patricios, habita n'uma cubata modestamente construida. Todos os navios nacionaes e estrangeiros que chegam a Loanda costumam, para poupar as tripulações, tomar para o serviço de bordo uma companha de Cabindas, commandada pelo seu capitão. Muitas d'estas companhas conservam-se a bordo dos navios que teem de percorrer a costa, e alguns d'elles já teem vindo a Lisboa a bordo dos vapores da —União Mercantil — ; consta-me até que um d'estes para cá trouxe um íilho que tem a educar n'um collegio da capital.
Os Cabindas são summamente económicos, e como a bordo recebem a ração, e uma macuta por dia (cincoenta reis fracos), chegam a juntar dinheiro; julgo-os sóbrios, mas não de delicado paladar, porque a um d'elles vi, na força do verão, comer ao almoç pimentinhãs com sal e bolaxa, beber em seguida a sua ração de cachaça, e ficou tão satisfeito como se tivesse tomado um sorvete. N'uma conversa que tive com um Cabinda foi que vim no conhecimento do verdadeiro sentido que os pretos ligam á palavra — branco — pela qual nos dominam. Perguntei-lhe se quando estavam a bordo dos navios estrangeiros entendiam as linguas que lá lhes fallavam, e elle respondeu-me com certa presumpção: — Me falia flancé, inglês e língua de Manco. Esta lingua de branco é a portugueza. Só nós somos considerados brancos, porque assim designaram os descobridores e conquistadores d'aquellas possessões, e só a elles é que os negros julgam pertencer esta denominação. Os Cabindas, á semelhança de todos os mais pretos, são mui supersticiosos: fazem uso de pequenas manilhas de ferro para afugentar o feitiço, e algumas vezes lhes vi pintar com barro certos signaes na testa e nas fontes para combater dores de cabeça, que elles attribuem a effeitos diabólicos. Se todos os pretos da nossa possessão  fossem tão industriosos como os da raça Cabinda, o commercio e a agricultura teriam por certo attingido em Angola um elevado grau de prosperidade, mas infelizmente dos outros nada se pôde esperar voluntariamente. Que meios empregar para obrigal-os ao trabalho? Em vista das tendências dos nossos ministros para a abolição da escravidão, não ha senão um : é fazer-lhes crear necessidades, obrigando-os a andar vestidos e calçados, e a ter um modo de vida qualquer, para que possam ser úteis á sociedade. Sei que esta é uma das reformas que tenciona introduzir o novo Governador Sebastião Lopes de Calheiros, e se conseguir fazêl-o, Angola dará um largo passo no caminho do progresso e da civilisação. É muito mal entendido quererem legislar e governar aquellas nossas possessões, com as nossas leis e códigos liberaes. Aquelle povo não está ainda bastante maduro, para  poder ser governado constitucionalmente. Um estado composto na sua maioria de pretos
boçaes, de degredados por toda a espécie de crimes, de negociantes em grande parte de má fé, sem educação, nem consciência, de muitos militares ambiciosos e pouco escrupulosos, não pôde civilisar-se, nem ser governado senão por um despotismo illustrado. Os Governadores geraes que tentarem fazer algumas reformas necessárias, cortando abusos inveterados e que se encontram a cada passo em todos os ramos da administração publica, teem de combater uma opposição terrivel, porque aquelles que se julgarem assim feridos nos seus interesses, não terão duvida em recorrer aos meios mais infames, para se desfazer de um homem que lhes pôde ser fatal. Se o Governador não poder pelo seu lado recorrer aos meios rigorosos e repressivos, ha de succumbir na lucta irremediavelmente. É preciso dar força sufficiente a um só homem, para poder luctar com milhares d'elles ignorantes, ou corruptos. Permitta Deus que os nossos governantes se compenetrem de todas estas considerações:  a boa escolha nos empregados a quem devem remunerar de forma que compense as privações e sofrimentos que para alli vão supportar, sem que tenham de recorrer a meios  illicitos para adquirir fortuna, é a principal base para fundamentar o progresso e engrandecimento d'aquella Provincia, e só assim e por meio da religião poderemos cumprir a nossa missão, que é de civilisar e concorrer para a independência d'aquella terra. 
Sei que esta ideia causa espanto a muita gente; mas se todos conhecessem mais de perto as nossas possessões, haviam de convir comigo, que a Africa civilisada e in- dependente nos havia de oíFerecer mil outras vantagens que hoje não oferece pelo estado selvático em que ainda se acha. Que perdemos nós com a independência do Brazil? Nada, absolutamente nada. Perderam  sim os filhos bastardos da casa real, os filhos segundos das casas titulares, os aventureiros e os protegidos a quem a corte dava os governos e os empregos das provincias como benefícios simples, mas as nossas transacções commerciaes continuaram como d'antes, e o Brazil, apesar da sua independência, não deixa de ser portuguez, e não cessará nunca de o ser em quanto alli se fallar a nossa lingua. Elles mesmos tanto o reconhecem, que já tentaram arranjar uma lingua brazileira, conseguindo apenas a pronuncia de um jocoso dialecto de preto. Na actualidade as transacções commerciaes com o Brazil parecem de menor importância, porque se acham espalhadas por muito maior numero de negociantes, do que antes da independência; mas quando assim não fosse, o monopólio dos portos já não é possivel, n'uma época em que nações fortes fabris empregam todos os meios para dar sabida aos seus productos. Entre nós, assim como nos paizes em que se tem escripto e discutido sobre a escravatura, encara-se esta questão pelo lado humanitário, e é certo que o commercio de carne humana repugna a todo o homem de sentimentos nobres. Vejamos porém se pela repressão conseguiram o fim que se propozeram, e examinemos as causas que dão lugar á escravatura. 
Os chefes das povoações do interior a quem dão os nomes de Sobas, Régulos, Príncipes, e Reis, imitando os romanos da republica, educam os seus povos na caça e na guerra, mas ignoram totalmente que aquelles, terminadas as luctas, depunham a lança e o escudo para lançar mão da charrua, e cultivarem a terra que os devia alimentar como boa mãe que é. O seu estado d'ignorancia faz com que repetidas vezes, faltando os meios de subsistência, se vejam obrigados a pedir á força ao visinho, o que elle de boa vontade lhes não concederia, altendendo a que o seu estado de prosperidade de maravilha pouco mais lisonjeiro será. Para se declarar a guerra é preciso que haja um pretexto, mas  quando o não ha inventa-se, e elles assim fazem. Atravessar os estados sem licença, caçar fora dos limites, são motivos mais que sufficientes para lançar a discórdia entre dous potentados. Se esses mesmos pretextos vem a faltar, consulta-se então o singilla que, depois de «invocar os deuses occultos, declara em tom propbelico que o Soba do estado visinho foi quem matou por feitiço os últimos individuos que falleceram naquella povoação, e que pretendia ainda fazer o mesmo a muitos outros. Feiticeiro!! guerra! guerra! grita a povoação em peso, e todos correm vingar as
victimas de tão nefando crime. O ataque é dado de improviso, e a vingança, que dizem ser prazer dos deuses, mal pode saciar a sua ira, roubando e saqueando tudo, bois, porcos, gallinbas, mandioca e fructa, e só quando nada ha mais que roubar, nem destruir, é que os valentes centuriões retiram ufanos, conduzindo os ricos despojos com que se hão de manter por algum tempo na ociosidade. Os prisioneiros pilhados com as armas na mão, são levados na frente, assim como suas mulheres e filhos, que os acompanham sempre. Estes infelizes são conduzidos ao mercado e vendidos aos agentes dos negreiros a troco d'aguardente, pólvora, missanga, e  fazendas d'algodão de cores, a que na Africa chamam pannos . Ora como nem sempre ha compradores, acontece algumas vezes que os vencedores se vêem obrigados a conservar em seu poder, e sustentar os prisioneiros; e não lhes agradando este ónus, se por desgraça a ausência dos compradores se prolonga mais que o costume, o Soba determina que, como medida económica, se corte a cabeça aos prisioneiros ! É o meio de resolver radicalmente a questão, e como entre o gentio se cumprem as leis á risca, a execução segue de perto a sentença. Não pretendo com esta ideia, que tem ares de paradoxo, justificar os negreiros, nem sei como elles tractam os escravos ; confesso que não sympathiso com semelhantes traficantes, porque aquelles que me tem sido indigitados como taes, me tem parecido
grosseiros, altivos e eminentemente desmoralisados ; mas attendendo ao numero considerável decreaturas subtrahido por elles ao cutello do algoz, havemos de concordar que contribuem com melhor êxito para o fim humanitário, que nós  pretendemos conseguir pela repressão do trafico. Escusado será também accrescentar, que estes meliantes não o fazem de maneira alguma por considerações de virtude, ou espirito de philantropia, nem elles se arriscavam por tão pouco. Se seguirmos o escravo e o formos vêr em poder do seu senhor, tanto nas Mauricias, como nos Estados-Unidos e na Havana, encontral-o-hemos vestido, bem alimentado, baptisado e educado, o que seguramente lhe não acontecia na sua terra natal, onde só
gosava da faculdade de poder passar a sua existência sem fazer cousa alguma,  tornando-se inútil a si e aos mais. Se o trabalho é uma desgraça, não somos nós todos bem desgraçados? Quantos e quantos pretos existem hoje na America, que depois de resgatarem a liberdade com o fructo das suas economias, conseguiram estabelecer-se, tornando-se cidadãos úteis ao paiz que os acolheu? Se os exemplos não são tantos, quantos eram para desejar e podiam ser, é isso devido ao desmazelo e vida desregrada da maior parte dos escravos a quem o futuro não afflige demasiadamente. O tractamento que os pretos recebem dos seus próprios, é infinitamente mais cruel do que o são os castigos infligidos pelos brancos, e d'isso nos podemos certificar  presenciando as scenas horrorosas praticadas pelos Regidos, nossos visinhos, a quem a
estúpida superstição cega a ponto de sacrificar, em honra de um mono ridiculo, victimas innocentes, abrindo-lhes o ventre, arrancando-lhes as entranhas palpitantes, e beben-do-lhes o sangue ainda quente e fumegante !

Para mostrar até onde chega a crueldade d'aquella canalha, citarei o seguinte caso, que me foi contado por um official de marinha muito conhecedor da costa Occi- dental d'Africa, onde permaneceu por muito tempo. Ha já bastantes annos um dos Sóbas do interior, homem provavelmente tão velhaco, como covarde, fez um contracto com o chefe da estação ingleza, compromettendo-se, mediante certa quantia por cabeça,a denunciar-lhe quando e onde embarcavam os escravos que elle vendia. As denuncias foram dadas com a maior exactidão, e pela sua parte o commandante inglez não foi menos pontual no pagamento em letras das quantias que pelo contracto pertenciam ao Soba. Como porém este contracto tinha sido feito sem consultar o governo inglez, este entendeu não o dever sanccionar, e as letras que o Soba tinha mandado para In- glaterra foram-lhe devolvidas. Algum tempo depois o commandante inglez, fazendo uma excursão pelas margens do rio, junto ao qual morava o tal Soba, saltou em terra com a sua gente, e divertia-se  caçando, quando o vieram convidar da pítrleo Soba para acceitar uma refeição e assistir a uma brilhante festa com que elle se propunha obsequiar o seu hospede. Movido pela curiosidade, o commandante acceitou o convite, e seguiu com a sua gente o enviado até á cubata do Soba, onde se achavam preparadas algumas iguarias, que os inglezes não recusaram por condescendência. Findo o banquete, durante o qual reinou a
melhor harmonia e cordialidade, o Soba, depois de ter dado as suas ordens em particular, convidou os inglezes para irem até á praça publica, onde devia ter lugar a festa promettida. Quando lá chegaram, duzentos pretos prisioneiros, com as mãos atadas atraz das costas, e acompanhados cada um do seu guardião armado de machado, rodeavam o local destinado para as danças e divertimentos públicos. A um signal dado pelo Soba, duzentas cabeças rolam no chão : um grito de horror escapa aos espectadores atónitos. O commandante quer saber porque motivo se pratica tão inaudita crueldade, mas o Soba interrompendo-o lhe diz : — « Inglez, convidei-te para vires assistir a uma grande festa: parece-me que cumpri a minha promessa; outro tanto, accrescentou elle, enlre- gando-lhe as letras que lhe tinham sido recambiadas de Inglaterra, outro tanto não fazem os da tua nação. Peço-te que guardes esses papeis como lembrança minha.» Foi então que o inglez conheceu em que mãos estava, e não foi sem grande espanto seu
e dos que o acompanhavam, que se viu a bordo da sua lancha sem ter soffrido o menor insulto. D'estes actos brutaes e ferinos é que os brancos, mesmo os mais endurecidos no trafico da escravatura, de certo não praticariam a sangue frio. ^Não tem, por exemplo, o Rei de Dahomey assim adquirido tão monstruosa celebridade? De vez em quando noticiam os jornaes uma nova hecatomba: sacrifícios, ou massacres de
centenares de victimas, que assombram a Europa inteira! Mas deixemos este assumpto, e voltemos ao Zaire, a respeito do qual pouco resta que referir.

Continua... "Quarenta e cinco dias em Angola : apontamentos de viagem":

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LIVRO NEGRO DO COLONIALISMO,

 Por MARC FERRO

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