quarta-feira, 28 de março de 2012

Lourenço do Carmo Ferreira: poema SONHO

 Poesia Africana

CARMO FERREIRA

Lourenço do Carmo Ferreira, Angola  século XIX-XX. Poeta e jornalista. 


SONHO

Aos angolanos — Meus Patrícios)


Sonhei. E foi um sonho ingente, terrível,
um átomo do Nada tocando o Impossível.

Era Nero que curvava aos pés dum cristão
sua frente abatida em muda expiação.

Oh! Sim; — vi lasciva, devassa Messalina
cingir duma vestal a veste diamantina.

Eu vi César tremer em face de Pompeu
de velho vi cair o imenso Coliseu.

Vi Alexandre feito cobarde e pequeno;
vi Sócrates tremer em face do veneno.

Vi após Albion saudar Carlos coroado;
vi Monch a reinar e vi Cromwell degolado.

Vi Pompadour humilde, Du Barry tremente;
e vi Richelieu tornando-se clemente.

Vi o Papa empunhar o bordão de mendicante;
vi Loyola chorar, Lutero suplicante.

Vi Pombal que curvava a frent'ant'a cruz
da seita tenebrosa e escura de Jesus.

Em Waterloo eu vi com raiva sublimada
Bonaparte vencendo a Europa coligada.

Vi Danton, Marat negarem a Igualdade,
a Justiça, a Razão, cuspirem na Verdade!

Vi Hugo desprezar de um Deus a equidade
Lamartine, monarcha, Voltaire feito frade.

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E vi, sonho sublime! — em célico clarão!
ressurgir Angola em meio da escuridão!..,

Oh! Fontes, ao clarão duma aurora virginal
vi realizar-se o teu íntimo ideal!

Vi então Angola das vascas d'agonia
erguer-se esplendorosa à luz de um novo dia.

Vi envolta em hórrida, infecta podridão
a vilania, o crime, a vil escravidão!...

Vergonhosa e corrida a pérfida canalha
que volvia à condição servil da gentalha.

Reinava a harmonia; o Sol da Igualdade
já de luz inundava a livre humanidade.

E minh'alma sorria e sentia em meu peito
o bem-estar imenso do amor satisfeito.

E que belo deve ser para o peito angolano
ver vingar o Direito e a queda do tirano?

Que belo é pois viver numa família imensa
guiados pela Fé, unidos pela Crença?!...

Tudo isto antevia no sonho fabuloso
envolto num clarão, eterno, luminoso.

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Porém, quando acordei, a negra realidade
mostrou-se bem crua:

nula era a Igualdade,
utopia o Direito e zero a Liberdade!...

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